Título: Um país que parece indiferente à mudança
Autor:
Fonte: O Globo, 25/02/2008, O mundo, p. 26

Uma regra simples, que é adotada por todos os correspondentes: "Quanto maior é a notícia, menor é a história." Em outras palavras, para trazer para casa o impacto de um evento monumental, conte como ele toca as pessoas comuns. Nos últimos dias, em uma viagem à Cuba que era para ser supostamente sobre a vida das pessoas comuns, a grande notícia me encontrou.

A visita começou como uma reunião em Cuba das duas partes da nossa família que a política internacional manteve dividida durante décadas. Minha esposa, Miriam, deixou para trás boa parte de sua família quando sua avó a mandou para fora do país em 1962. Nós dois a visitamos ao longo dos anos, mas Miriam sempre teve receio de trazer nossos três filhos conosco, com medo de que eles fossem tirados dela. Mas agora que são adultos, ela queria que conhecessem a avó que nunca beijaram.

Nossa reunião, porém, teve que ser adiada por causa do surpreendente anúncio da renúncia de Fidel Castro - cuja revolução dividiu nossa família - na última terça-feira. De repente, me vi trabalhando.

O que mais me surpreendeu inicialmente foi quão pouco os cubanos clamavam por mudanças drásticas. Ditador ou herói, o tempo de Fidel no poder estava acabando e ninguém parecia se preocupar com isso.

Mas, claro, descobrimos que as coisas não são exatamente como parecem quando a camareira do nosso hotel esteve no nosso quarto. Após olhar para o corredor, para ver se o seu supervisor estava por perto, ela fechou a porta e começou a falar.

"Ninguém diz, mas todo mundo sabe que uma coisa nova pode ser pior do que o que temos agora", sussurrou. Mesmo tendo diversos motivos para exigir mudanças, ela as temia mais do que qualquer coisa.

Curiosamente, mudança é a palavra nos lábios de todos os candidatos no meu país. Mas enquanto os americanos debatem o significado das mudanças, os cubanos parecem indiferentes a elas. Na imprensa controlada pelo Estado, as notícias vindas do exterior sobre a ansiedade por mudanças em Cuba são desacreditadas. "Falam em mudanças, como se a revolução não tivesse sido uma época de mudanças", diz Lázaro Barredo Medina, editor do jornal "Granma".

A verdade é que algumas coisas mudaram desde a minha primeira visita a Cuba, em 1978. A presença soviética é apenas uma sombra, há mais carros nas estradas e mais fast-food nas ruas. Até o caótico sistema de transportes parece ter melhorado.

Mas a essência não mudou ou talvez tenha piorado. Mais famílias estão dividindo os mesmos apartamentos apertados. E a deslealdade ao partido ainda pode render a perda de um emprego ou de uma casa. Dissidentes são inimigos do Estado.

Mesmo assim, pessoas como Miguel, um militar aposentado de 62 anos, que dirige um carro de 1958, temem o que ele chama de americanização de Cuba. Ele entende por isso o capitalismo selvagem, que poderia tomar dos cubanos as melhores casas, a melhor terra, as melhores fábricas. Em resumo, se uma transição significa perder o pouco que ele conseguiu adquirir, ele preferia que não houvesse mudança alguma.

ANTHONY DEPALMA é o autor do livro "O homem que inventou Fidel" e escreveu este artigo para o New York Times