Título: Antiga geração se fortalece
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Fonte: O Globo, 25/02/2008, O mundo, p. 26

Confirmado presidente, Raúl promete enxugar governo e consultar o irmão. Linha-dura é o vice.

Numa sessão histórica, mas sem grandes surpresas, o Parlamento de Cuba confirmou ontem o general Raúl Castro, de 76 anos, como novo presidente do país e comandante-chefe das Forças Armadas, substituindo seu irmão Fidel, há 49 anos no comando do governo. Raúl ocupava provisoriamente a Presidência desde 2006, quando Fidel se afastou por razões de saúde. Raúl assumiu o cargo ¿ na primeira alternância de poder desde 1959 ¿ prometendo reestruturação do aparato estatal para uma gestão mais ágil e ¿eliminar proibições¿.

Para quem esperava anúncios mais ousados, os primeiros movimentos do novo governo foram conservadores, sobretudo com a eleição de um linha-dura egresso da Sierra Maestra para primeiro vice-presidente. Em pronunciamento, Raúl pediu a permissão da Assembléia (aprovada por unanimidade) para consultar Fidel sobre as decisões ¿de transcendência para o futuro da nação, em especial as vinculadas à defesa, à política externa e ao desenvolvimento socioeconômico¿. Fidel mantém também o cargo de primeiro-secretário do Partido Comunista.

¿ Assumo a responsabilidade que me foi concedida com a convicção de que o comandante-em-chefe da Revolução Cubana é um só, Fidel é Fidel, e, como todos nós sabemos, ele é insubstituível ¿ discursou Raúl, dando o tom da posse. ¿ O povo continuará sua obra quando ele não estiver presente fisicamente, porque suas idéias sempre estarão.

Menos proibições nos próximos dias

Raúl afirmou que pretende eliminar a partir da próxima semana ¿proibições mais simples, muitas que tiveram por objetivo evitar o surgimento de desigualdades num momento de escassez generalizada¿, como parte das primeiras medidas de reforma econômica. Sem entrar em detalhes, o presidente destacou que ¿a suspensão de outras regulamentações levarão mais tempo¿ porque exigem mudanças na lei. Ele afirmou também que reduzirá as estruturas do governo para deixar o Estado mais ágil, ¿que implique menos reuniões, concentre funções e faça melhor uso dos quadros para tornar mais eficiente a gestão¿. Raúl afirmou que ¿o partido deve ser mais democrático¿. O presidente estuda ainda uma reavaliação gradual do peso cubano. A falta de poder aquisitivo é uma das maiores reclamações da população.

Mas, num claro sinal de que reformas não serão abruptas, um comunista histórico, José Ramón Machado Ventura, de 77 anos, foi nomeado primeiro vice-presidente, o segundo cargo na hierarquia do país. O nome de Ventura não estava entre os mais cotados. Especialistas apostavam em alguém da nova geração, como Carlos Lage, de 56 anos, que na década de 90 comandou as reformas econômicas que levaram a uma certa abertura da ilha a investimentos externos. Deputado da Assembléia Nacional e Membro do Conselho de Estado desde sua primeira legislatura, em 1976, Ventura é médico e integrante do Exército Rebelde, que lutou na Sierra Maestra.

Com a eleição, Raúl Castro presidirá o Conselho de Estado, a autoridade máxima da ilha, nos próximos cinco anos. Desde a vitória da revolução, em 1959, Fidel já havia indicado Raúl (seu primeiro vice-presidente) como sucessor. A renúncia de Fidel à prerrogativa de se candidatar ao posto de presidente, na semana passada, abriu caminho para a ascensão do irmão.

Os vice-presidentes do Conselho de Estado também apontados ontem são: Carlos Lage (que mantém o cargo), Juan Almeida, Esteban Lazo, Abelardo Colomé Ibarra e Julio Casas Regueiro, todos dirigentes conhecidos do regime. Ricardo Alarcón renovou também seu mandato como presidente da Assembléia por um novo período de cinco anos. O conselho é composto ainda pelo chanceler Felipe Pérez Roque e pelo ministro da Saúde, José Ramón Balaguer.

A Assembléia Nacional foi eleita no mês passado em eleições completamente controladas pelo Partido Comunista, a única organização política permitida na ilha de 11 milhões de habitantes. Havia 614 candidatos já predeterminados a ocupar as 614 cadeiras do Parlamento. Participaram da sessão de ontem 597 deputados ¿ Fidel não compareceu, mas enviou seu voto. Os parlamentares receberam uma lista com o nome de todos os candidatos a presidência e aos outros cargos principais do governo ¿ um total de 31 postos que formam o Conselho de Estado. A lista foi organizada por um comitê do partido ao longo do último mês. Tampouco havia espaço para surpresas: havia um único nome para cada cargo.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aplaudiu ontem a eleição de Raúl Castro e disse que nada mudará na relação entre os dois países com o afastamento de Fidel. Nos últimos anos, é o petróleo subsidiado de Chávez que vem garantindo o abastecimento energético da ilha. Raúl ligou para Chávez logo após sua confirmação no cargo.

A troca de poder encerra um potencial de mudança para a ilha, na análise do chefe da diplomacia do governo dos EUA para a América Latina, Tom Shannon. No Brasil, o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, afirmou:

¿ Quem imaginava uma mudança imediata se decepcionou. Mas acho que se abriu um espaço para uma transição democrática.