Título: A abertura gradual de um político metódico
Autor: Vicent, Mauricio
Fonte: O Globo, 25/02/2008, O Mundo, p. 27

Analistas dizem que sob o novo comando, as mudanças no regime chegarão pouco a pouco e sem alarde

Mauricio Vicent

HAVANA. Nos 19 meses em que exerceu provisoriamente a Presidência de Cuba, Raúl Castro não foi nenhuma vez à televisão e só concedeu uma entrevista, ao jornal ¿Granma¿. A discrição e o trabalho metódico e silencioso fazem parte de seu estilo e essa será também a fórmula para levar adiante reformas em momentos cruciais, como asseguram os que o conhecem mais de perto. Sob o seu comando, as mudanças no sistema socialista chegarão pouco a pouco.

O modo de Raúl tomar decisões em nada se assemelha ao de Fidel. A revolução é tão dele quanto do irmão mais velho e a transição que pretende ocorrerá dentro do próprio sistema; como conjugar abertura econômica e controle político é a principal equação a ser solucionada, e não é simples. Um ex-militar que trabalhou com Raúl durante anos destaca três características de sua personalidade que, segundo ele, marcarão o processo político que se inicia.

Consciente de suas capacidades e limitações

A primeira é sua lealdade aos amigos. ¿Quem crê que Raúl trairá seu irmão se equivoca. Ele defenderá suas idéias e buscará consensos para fazer certas coisas.¿ A segunda característica, diz o ex-militar, ¿é que os domingos são para ele¿. Diferentemente de Fidel, acrescenta, Raúl é um homem de família. Isso o tornaria mais sensível aos problemas cotidianos da população. A terceira e essencial característica é que Raúl é extremamente consciente de suas capacidades e limitações. Buscar opiniões diferentes e aconselhamento será uma marca do novo governo. Diferentemente de Fidel, Raúl não se guia pelo instinto para tomar decisões.

Nos últimos meses, Raúl vem preparando meticulosamente o terreno para introduzir algumas mudanças que a sociedade demanda com força. Sem nenhuma publicidade e sob a tutela das Forças Armadas, já experimenta novas formas de organização da produção de alimentos, com uma maior participação da iniciativa privada. Raúl também vem estudando com interesse as experiências da China e do Vietnã que, adaptadas às peculiaridades da ilha, se vislumbram como a melhor ¿ ou única ¿ forma de tornar viável a abertura econômica.

Ainda assim, dentro e fora da ilha, Raúl segue sendo uma incógnita. Alguns recordam seu passado extremista, os fuzilamentos dos primeiros dias da revolução e sua falta de carisma. Mas o fato é que, depois de passar quase meio século à sombra de Fidel, nestes últimos 19 meses Raúl conseguiu despertar esperanças e gerar expectativas. Agora, em meio a delicados equilíbrios, a pressão recai completamente sobre seus ombros.