Título: Cidade vive das motosserras
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 24/02/2008, O País, p. 3
Em Marcelândia, que encabeça lista das que mais desmatam, até prefeito já foi madeireiro
Às vésperas da operação do governo federal na cidade com o maior índice de derrubada ilegal de árvores na Amazônia, o desmatamento sem limites é lei. Entre os que ajudaram a desmatar a floresta está até o prefeito de Marcelândia, Adalberto Diamante (PR), um ex-madeireiro que foi autuado pelo Ibama, em 2002, e obrigado a pagar multa. O município de 1,2 milhão de hectares, com um centro urbano minúsculo e população de apenas 17 mil moradores, considera a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, inimiga pública número um. Foi ela quem apresentou a lista das 36 cidades que mais desmataram a Amazônia nos últimos meses de 2007. Marcelândia encabeça essa relação.
- Com essa repressão dos fiscais, a ministra quer dar uma resposta internacional. Ela fez um alarde na imprensa com dados falsos e fez o presidente Lula baixar um decreto que inviabiliza nossa cidade economicamente - disse Diamante.
Há três semanas, Marina Silva, acompanhada de outros ministros e do governador Blairo Maggi, fez um sobrevôo na região. O helicóptero em que estava chegou a pousar em Marcelândia, mas ela não desceu da aeronave. O prefeito queixa-se de seu comportamento e a acusa de menosprezar a população.
Marcelândia é daquelas cidades com apenas uma grande rua, a Avenida Colonizador José Bianchini. E o som das serras é a trilha sonora dali. A principal atividade econômica da cidade gera 500 empregos diretos. Mas os empresários do setor afirmam que o negócio está encolhendo. Já houve 80 madeireiras na cidade. Hoje são 35.
Andrigo Sofredini, de 23 anos, é dono da ACS Madeireira, que fica na rua principal de Marcelândia. A sigla traz as iniciais do nome de seu pai: Antônio Carlos Sofredini, que foi preso com a mulher numa operação da Polícia Federal ano passado, acusado de comprar madeira ilegal. A multa de R$500 mil emitida pelo Ibama durante a operação está sendo contestada na Justiça pela família.
No pátio da madeireira, há toras de vários tipos de madeira, como cambará, peroba, cedrinho e jatobá. Andrigo não revela de onde exatamente adquiriu a madeira, mas afirma que é de procedência lícita e de grandes fazendas da região. A família beneficia a madeira e vende 25 produtos, como ripa, cabos de enxadas e portas. Os Sofredini eram de Santa Catarina. Ele critica o governo.
- Os fiscais não acompanham o que acontece nas fazendas e quem leva a fama? Nós, os madeireiros - disse Andrigo.
Proprietária da churrascaria Tangará, principal restaurante da cidade, Denise Ana Ceron engorda o coro dos que enxergam na ministra Marina uma arquiinimiga de Marcelândia. Ela atribuiu a "má fama" que recai sobre o município a uma ação da ministra.
- Ficou mal para a cidade. Aqui não tem bandido, como tem dito a Marina. Não se pode derrubar mais nada, nem cabelo, que é crime. A ministra está do lado das ONGs estrangeiras - disse Denise.
A comerciante diz que todo dia aparece um ex-funcionário de madeireira procurando emprego no seu estabelecimento. Denise vive há 18 anos em Marcelândia. O nome de fantasia de sua churrascaria, Tangará, é o de sua cidade natal, em Santa Catarina, estado de origem de boa parte dos moradores.
Prefeito contesta dados oficiais
Marcelândia foi fundada em 1986 e batizada com esse nome em homenagem a Marcelo Bianchini, filho de José Bianchini, que criou uma empresa de colonização e vendeu terras da região para imigrantes do Sul. O prefeito é do Paraná e chegou à região há pouco mais de 20 anos. Foi madeireiro até 2002, quando decidiu entrar na política. Diamante elegeu-se em 2004 pelo PPS e filiou-se ano passado ao PR. Seguiu o mesmo caminho partidário do governador Blairo Maggi, um aliado político. Maggi, um dos maiores fazendeiros de Mato Grosso, é acusado por entidades ambientais de destruir o meio ambiente para que se plante campos de soja.
O slogan da gestão de Diamante é "Marcelândia levada a sério". Ele contesta a ministra Marina Silva e diz que os dados apresentados pelo programa Detecção do Desmatamento em Tempo Real na Amazônia (Deter), criado pelo Inpe, estão errados. O prefeito diz que o instituto misturou alhos com bugalhos e incluiu na sua contabilidade áreas que foram desmatadas em anos anteriores, como em 2002.
- Colocaram tudo num saco só.
Mas os dados oficiais atestam o que se pode constatar a olho nu nas proximidades de Marcelândia: onde antes havia mata fechada, hoje há grandes descampados. Segundo o Inpe, das 36 cidades com maior índice de desmatamento registrado no final do ano passado na Amazônia, 19 estão no Mato Grosso. Entre os dez municípios mais devastadores da floresta, quatro estão sob a responsabilidade do Ibama de Sinop, principal centro do Norte de Mato Grosso. Nessa região, há apenas 17 fiscais do órgão. Cada um deles cuida de uma área de 110 mil hectares. O ideal era, no máximo, oito mil hectares por fiscal.
Em Marcelândia, quem tentou defender as ações ambientais e se opôs aos madeireiros foi vítima de perseguição. Foi o que ocorreu com o vereador João Cerqueira (PMDB). Ele faz uma campanha contra madeireiras irregulares e mostra uma carta que chegou a enviar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em maio de 2007, relatando a situação. Em dezembro do ano passado, cerca de cem pessoas, ligadas a empresários do setor da madeira, fizeram uma passeata com faixas e dizeres do tipo "Fora, João!".