Título: Apagão da lógica
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 16/02/2008, Economia, p. 34

O Brasil gasta R$4 bilhões por ano subsidiando a energia consumida na Amazônia, produzida, em geral, com a queima de combustíveis fósseis. Para substituir a energia de Manaus por hidroeletricidade, terão que ser instaladas torres do tamanho da Torre Eiffel para atravessar o Rio Amazonas. O empresário Eike Batista propôs vender energia a R$600 o megawatt-hora para o governo e recomprar por R$200.

Achou tudo o que leu acima muito estranho? São mesmo estranhos exemplos da irracionalidade energética brasileira. Não é de hoje; é antigo. Os consumidores brasileiros, há anos, pagam para subsidiar a energia que é consumida no Norte do país, e ela, normalmente, é gerada pela queima de diesel ou óleo combustível. A de Manaus, por exemplo, é assim. Como essa energia é bem mais cara, ficou decidido que seu custo seria rachado pelos consumidores do país.

Só para abastecer Manaus, gastam-se R$2 bilhões por ano, e isso virou uma bola-de-neve. Como o industrial que vai para lá sabe que o preço da energia é subsidiado, a vantagem serve de estímulo para novos projetos, e o PIB da região cresce mais que o do resto do país. O consumo de energia também.

É por isso que a EPE, Empresa de Pesquisa Energética, pôs no seu PET, Programa de Expansão de Transmissão, sete linhões que vão ligar Tucuruí a Macapá e a Manaus. Assim, a energia hidrelétrica substituiria a energia fóssil, caindo o custo do subsídio. Este semestre ainda, o governo vai licitar a construção de uma linha de transmissão. Parecia ser o resgate da racionalidade, mas, na coletiva que concedeu ao anunciar o plano, o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, disse que as linhas "rasgarão" a Floresta Amazônica e que, para atravessar o Rio Amazonas, será necessário instalar torres do tamanho da Torre Eiffel. Tudo soou assustadoramente faraônico. Segundo a Empresa, as linhas custarão R$3,7 bilhões e serão 1,8 mil quilômetros de linhas de transmissão. A vantagem será interligar a região Norte ao resto do país, mas a descrição do projeto tem que ser bem entendida, porque, segundo Tolmasquim disse aos jornalistas, a obra exigirá a instalação de torres de transmissão de quase 300 metros (as torres normais têm 50 metros). A boa notícia é a interligação do país, a dúvida desconcertante é por que este governo tem a mesma obsessão do governo militar pelos grandes projetos e por que não se pensa em outras fontes de energia.

Uma das maiores atrocidades não só do ponto de vista ambiental, como também do da eficiência energética, foi a usina de Balbina, construída no estado do Amazonas durante o regime militar, justamente na tentativa de solucionar a dificuldade de abastecimento da região. O megaprojeto, bem ao gosto da ditadura, inundou uma área de 2.380 quilômetros quadrados para gerar míseros 250MW. Hoje, segundo alguns ambientalistas, acaba poluindo mais que uma usina de carvão por causa da emissão de metano e gás carbônico.

A anomalia de uma região que consome uma energia cujo custo de produção é três vezes maior que o preço pelo qual ela é vendida e pelo qual todos os brasileiros pagam produz outras histórias estranhas.

Uma é a do empresário Eike Batista, em sua marcha batida para ser tão rico quanto Bill Gates. A MMX tem uma mineradora no Amapá e construiu uma central de geração de energia elétrica. Até aí tudo bem: ele vai consumir energia e produzir sua própria energia. O problema é que a MMX pediu à Aneel autorização para passar a sua energia pela distribuidora de energia do Amapá. Assim, a empresa venderia a energia pelo preço que a distribuidora a compra, equivalente a R$600 por MWh, e depois compraria essa mesma energia por R$200, que é o preço a que ela fornece aos industriais locais. A diferença será coberta pela CCC, Conta de Consumo de Combustíveis, a conta através da qual os consumidores de outras regiões subsidiam a diferença do preço da energia consumida no Norte do país.

O subsídio costuma sempre produzir irracionalidades econômicas. Veja esta contada por um técnico do governo.

O estado de Rondônia, por exemplo, não quer abrir mão da energia derivada de petróleo produzida lá, porque isso significaria abrir mão do ICMS. O custo da energia que abastece o estado é de R$800 milhões por ano. Assim sendo, o governo de Rondônia não quer dar licença ambiental para a linha que levará energia hidrelétrica de Mato Grosso para o estado, que, a propósito, terá muito menos impacto ambiental que a linha de Tucuruí a Manaus, com suas torres gigantes e sua travessia de quase dois mil quilômetros na Floresta Amazônica.

Para o Brasil, aparentemente, só existem duas fontes de energia viáveis: hidrelétricas, mesmo quando elas envolvem custos e riscos grandiosos, e combustíveis fósseis. Nem se pensa em soluções simples e variadas. Não que elas possam substituir as hidrelétricas completamente, mas energias como a eólica, a solar ou a de pequenas centrais hidrelétricas poderiam ajudar a compor um quadro de fornecimento menos nocivo ao meio ambiente. Os casos da energia no Norte são apenas alguns exemplos da insensatez que vai se criando e criando custos que são sempre maiores do que os inicialmente previstos.