Título: Um estado de caos com crise na segurança
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 24/02/2008, O País, p. 8

Alagoas, que há sete meses enfrenta greve de policiais, tem situação agravada por antiga falta de estrutura

MACEIÓ. Antes de deixar o cargo, o secretário interino de Defesa Social de Alagoas, coronel Ronaldo Santos, investia em operações impactantes, que reduzissem os efeitos negativos da greve dos policiais civis do estado. Na sexta-feira, ele ordenou a ocupação de Clima Bom, bairro violento da periferia de Maceió, por soldados do Batalhão de Operações Especiais alagoano (Bope). Mas precisava de um caminhão-baú para levar os equipamentos da tropa. Chamou o ordenança, sargento Lessa, ao gabinete e pediu o veículo. Depois de bater os calcanhares e fazer continência, o sargento respondeu:

- Tá morto, coronel.

Há vários dias, o único caminhão-baú da Polícia Civil está fora de combate. E não foi a greve de sete meses de agentes e escrivães que o encostou na oficina. A falta de um veículo adequado para transporte de material, embora pareça corriqueira, é um retrato da segurança pública em Alagoas, um setor marcado pelo abandono, improvisação e por velhas práticas policiais. A paralisação, que afetou as investigações criminais no estado, mais serviu para exibir ao país este quadro caótico - muito anterior ao movimento grevista - do que fazer as estatísticas criminais incharem.

Dados mostram aumento no número de homicídios

Dados da Defesa Social mostram que janeiro deste ano superou o mesmo mês de 2007 em 30 casos de homicídios (150 contra 120 em 2007). Para o Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas, a diferença estaria diretamente ligada aos efeitos da greve. Mas o juiz Manoel Cavalcanti, presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas, não tem tanta certeza:

- Quem está em greve é a Polícia Civil, que só atua depois que o homicídio acontece.

Para esse juiz de Vara de Fazenda Pública, que assumiu o conselho há sete meses, os grevistas podem, no máximo, alegar que a sensação de impunidade causada pela suspensão das investigações ajudou no aumento. Mas havia investigação criminal antes da greve em Alagoas? Manoel Cavalcanti duvida. Ele recorre às mesmas estatísticas oficiais para responder: no ano passado, que teve nove meses sem greve, foram instaurados 1.523 novos inquéritos e apenas 779 concluídos. E isso para um total de 17.718 ocorrências policiais (só homicídios, foram 889), cuja esmagadora maioria evaporou-se em alguma gaveta de delegacia.

- A deficiência na investigação já existia. O problema é de administração, como falta de planejamento e de controle de eficiência - lamentou.

O exame dos números recentes indica onde a violência se propaga. Na quinta-feira, dia 21, a Secretaria de Defesa Social registrou seis homicídios no estado, sendo quatro em Maceió, nos bairros de Jacaricica, Vergel, Trapiche e Jacintinho, todos pobres e periféricos. No carnaval, ocorreram 42 mortes na capital, com três chacinas que indicam a existência de grupos de extermínio. O último grupo descoberto, contudo, foi o "Ninjas", formado por policiais militares, que saíra de circulação há três anos.

A delegada Maria Aparecida Araújo, uma linha-dura que adora a escola de samba Beija-Flor, pediu recentemente à direção da Polícia Civil a instalação de câmeras para vigiar as comunidades carentes de sua jurisdição, o 3º Distrito da Capital, que sofre com a chegada do crack, nos bairros mais pobres. Embora o Sindicato dos Policiais tenha determinado o cumprimento de flagrantes, ela diz que as investigações não pararam totalmente porque a Secretaria de Defesa Social forneceu carros descaracterizados, que driblam a vigilância sindical.

Delegada veterana persegue o traficante Aranha

Maria Aparecida, 60 anos de idade, 32 na polícia, orgulha-se de ser expert no Aranha. Ela promete não descansar enquanto não prender o rapaz com a tatuagem de teia no braço direito - "ele também tem uma flor nas costas", diz - que se tornou o terror de Maceió depois da prisão de Caetano, um fernandinho beira-mar local. Aranha, dizem policiais, seria um bandido sangüinário, envolvido em assassinatos, seqüestros e tráfico de maconha e crack.

Delinqüentes como Aranha, jovem nascido em Bom Pastor, bairro periférico, são a principal clientela da polícia alagoana. Há outros iguais a ele no Trapiche, no Sururu de Capote, no Tabuleiro, no Brejal, no Jardim Saúde, que dão a prisões e fuzilamentos ares de uma grande vitória das autoridades contra o crime organizado. Aranha tem desafiado esse destino.

- Ele se identifica como João dos Santos Silva, mas é nome falso. A certidão tinha o brasão de Alagoas com o nome "República Federativa do Brasil". Uma vez, ele veio preso para cá, mas tive de soltá-lo por falta de provas - recorda-se a delegada.

Na próxima quarta-feira, os policiais terão assembléia para decidir se aceitam a proposta do governo (reajuste de 36,7% divididos em 18 meses) ou se mantêm a greve iniciada em 1º de agosto. O segundo vice-presidente do sindicato, Evandro Aranha, ex-aluno de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Alagoas que diz estar na polícia só de passagem, "como a maioria", acha o retorno difícil.

Evandro, 34 anos, diz que seu sindicato responde por 2.092 dos 2.400 policiais civis alagoanos. Em sua sala, onde as paredes exibem pôsteres do MST e da torcida "Comando Vermelho", do CRB, ele se mostra mais empolgado quando fala de seu futuro projeto. Estudante de um curso de gestão ambiental, ele se especializa em resíduos sólidos e sonha com o mercado do crédito de carbono.

- O lixão de Maceió está esgotado. Há um projeto de aterro sanitário, mas nenhum município quer aceitá-lo. Lixo, se tratado adequadamente, gera energia elétrica e adubos - explica.

Outro que sonha com uma vida melhor é o escrivão Milton Maux Lessa, 32 anos, primo distante do ex-governador Ronaldo Lessa. Lotado na Delegacia de Repressão ao Narcotráfico, ele era um dos poucos que trabalhavam na unidade quinta-feira passada. Lessa, um ex-bancário que cursa o 9º período de direito numa universidade particular e recebe salário de R$1,3 mil, quer prestar concurso para delegado da Polícia Federal ou procurador da República. O tema de sua monografia de conclusão do curso nasceu da experiência na polícia: "A banalização das prisões cautelares ante o princípio da presunção de inocência".

Traduzindo, Milton não concorda com o excesso de prisões em caráter provisório que lotam as cadeias das delegacias alagoanas (há 13 presos na Narcotráficos). Para ele, é grande o risco de um suspeito passar até oito meses atrás das grades antes que se prove a sua inocência.

Advogada é mestra nas brechas legais

Nem sempre, porém, é preciso provar a inocência para sair. Que o diga a advogada Mary Any Vieira, que naquela quinta-feira bateu na porta do cartório da delegacia. Detestada por muitos delegados, ela é a mestra das brechas legais e tem uma cartela de clientes onde se destacam Aranha e Abdiel Calheiros, capturado recentemente após recepcionar com disparos policiais que tentavam prendê-lo.