Título: PAC enfrenta a escassez
Autor: Batista, Henrique Gomes; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 24/02/2008, Economia, p. 31

Falta de pessoal e máquinas pode atrasar obras. Só em 4 projetos, investimento é de R$24 bi

No momento em que começa a decolar - após a batalha contra a burocracia, a demora na obtenção de licenciamento e as disputas judiciais - o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se depara com novos obstáculos que prometem dificultar o surgimento de vários canteiros de obras. Com o ritmo mais forte da economia, faltam máquinas, equipamentos e profissionais para tocar os empreendimentos, ameaçando causar atrasos e encarecer alguns projetos, que estão sendo modificados para driblar o déficit de insumos e manter cronogramas.

- O PAC de 2007 começa a influenciar agora e estamos em uma situação difícil, certamente alguns cronogramas serão atrasados por falta de equipamento - afirmou Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon).

As dificuldades - como a falta mundial de guindastes - são reconhecidas pelo governo e já afetam obras bilionárias, como o Complexo Petroquímico (Comperj), no Rio; o Rodoanel em São Paulo, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) e a Refinaria Abreu Lima (Pernambuco). Só nesses quatro empreendimentos, os gargalos mapeados pelo GLOBO representam R$24 bilhões em investimentos até 2010. Os gasodutos também têm dificuldades para sair do papel - faltam, por exemplo, peças específicas e soldadores.

No Comperj, faltam 400 caminhões

O caso da CSA, investimento da ThyssenKrupp e da Vale - que tem parte das suas obras dentro do PAC - é emblemático. Faltam estacas e bate-estacas para a terraplanagem da área onde será construída a CSA, megaprojeto de 3 bilhões (R$7,6 bilhões).

Segundo a Thyssen, para contornar o problema e tentar manter o início da produção em março de 2009, o plano de obras foi revisto e criaram-se dois turnos de trabalho. Também houve importação temporária de equipamentos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, visitarão as obras nesta terça-feira.

O Rodoanel de São Paulo, em seu trecho sul, segundo empresários envolvidos na obra, está com o andamento prejudicado pela falta de caminhões pesados - problema recorrente a vários empreendedores.

Já a Petrobras, responsável pelo Comperj, antecipa problemas para o início das obras: faltam retroescavadeiras para a preparação do terreno. Serão necessários no complexo 400 caminhões de grande porte e 40 retros. O déficit de insumos deve se repetir na Refinaria Abreu e Lima, a ser construída, em parceria com a estatal venezuelana PDVSA.

Para evitar que gargalos se multipliquem, a Petrobras está mobilizada. Agora, ao definir um projeto, ela vai tentar antecipar o aluguel de equipamentos considerados críticos, treinar mão-de-obra, revisar a estratégia de contratação de pessoal e informar ao mercado com antecedência sobre intenções de investimento.

- Estamos vivendo um momento de alta de preços no aluguel de equipamentos. O custo do guindaste, por exemplo, subiu 100% em três anos, o do cimento, 40% e o de retroescavadeiras, 30% - afirmou o presidente do Sinicon.

Segundo ele, as empresas do setor, mesmo com o forte aquecimento, temem realizar os investimentos necessários, sempre elevados e com grande período de amortização:

- Fizemos investimentos no fim dos anos 80 e início dos 90 e ficamos por dez anos com máquinas ociosas.

A ministra Dilma reconhece o problema mas acredita na solução:

- Tive um encontro na quinta-feira com fabricantes de carrocerias de grandes caminhões e eles me garantiram que vão atender a demanda, que aumenta 30%. A maior parte dessas fábricas, Agralle, Random, Marcopolo, está situada na região de Caxias do Sul (RS), que verdadeiramente vive um crescimento acima dos índices chineses. Lá eles brincam que não são mais dependentes de italianos, mas de chineses - disse ao GLOBO.

Poucos setores não sofrem com os obstáculos. O setor elétrico é um deles, e isso significa que a construção de hidrelétricas, consideradas essenciais para afastar de vez o risco do apagão no Brasil, está garantida. A blindagem deve-se ao fato de a maior parte das obras já estar contratada e de a lista de empreendimentos a serem erguidos ter sido divulgada há bastante tempo. É o caso de Santo Antônio e Jirau, usinas do Rio Madeira.

- Esta obra está planejada há muito tempo, nos preparamos e até temos um seguro para manter o cronograma - afirmou Ireneu Meireles, da Odebrecht, um dos sócios de Santo Antônio.

Luiz Pinguelli Rosa, coordenador da Coppe/UFRJ, afirma ainda que, na área de hidrelétricas, os problemas não são tão sentidos porque as estatais do setor mantêm grande número de pessoal especializado, e o Brasil possui expertise no assunto.

Economista alerta: "há risco de inflação"

O gigantismo da obra em Santa Cruz, com a CSA, exerce pressão sobre a oferta de insumos, principalmente da construção civil. Para se ter idéia do porte do empreendimento, as estacas fincadas nos canteiros de obras seriam suficientes para cobrir uma distância de 650 quilômetros (do Rio a Curitiba). No local, o tráfego diário de caminhões chega a 4.500, além de 500 ônibus diários com trabalhadores.

O economista Armando Castelar, do Ipea, lembra que o setor de construção civil tem mais dificuldades para suprir suas demandas: é difícil contratar lá fora engenheiros ou comprar cimento, por exemplo:

- Os investimentos estão acontecendo, mas o patamar estava muito baixo, com 25 anos sem investimentos, que só começaram há dois anos. Por isso, a escassez. Mas isso não vai diminuir o crescimento, apesar de existirem limites para acelerá-lo. Essa escassez é saudável.

Para Alexandre Maia, economista-chefe da GAP Asset Management, há sinais ainda preliminares de que a demanda está crescendo acima da capacidade de produção da economia. A herança de tantos anos de baixa expansão da economia pode ter reflexos na política monetária:

- Diante da pressão sobre a inflação, acredito que possa haver um ajuste mais severo, com um ciclo gradual de aperto monetário. A economia avançar acima de sua capacidade não é sustentável. É verdade que o PIB (Produto Interno Bruto do país) potencial é bem maior do que se imaginava há seis meses atrás. Houve um boom de investimento. Ainda assim, há risco de inflação com a escassez de insumos.

FALTA DE 50 MIL ENGENHEIROS AFETA AVANÇO DE OBRAS, na página 32