Título: A ética deve ser pressuposto e fim para o PT
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 17/02/2008, O País, p. 14

Novo secretário-geral do partido afirma que implantará código para punir desvios de conduta de militantes.

Derrotado nas eleições internas para a presidência nacional do PT, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) assumiu a secretaria-geral do partido depois de um acordo com o antigo Campo Majoritário. Cardozo diz que implantará, até julho, um código de ética para regular as ações dos petistas, e que sua prioridade é repactuar as forças internas. Em entrevista ao GLOBO, ele considera que a crise do cartão corporativo não é de ética, nem envolve diretamente seu partido ou o governo Lula. Para ele, trata-se de um caso isolado, por causa da deficiência de mecanismos de controle público. Para as alianças eleitorais, o novo secretário-geral se mostra aberto: "Partido é partido, governo é governo".

Soraya Aggege

O governo enfrenta mais uma crise ética, com o caso dos cartões corporativos. O que o senhor acha disso como deputado e como secretário-geral do PT?

JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Não creio que o governo enfrente uma crise ética na questão dos cartões corporativos. O Estado brasileiro, em diferentes unidades da federação (União e alguns estados), enfrenta uma crise pontual decorrente de mecanismos deficientes de controle das despesas públicas. Acredito, como deputado e como secretário-geral, que todas as irregularidades devem ser investigadas e punidas com o máximo rigor. Defendo que novos mecanismos sejam introduzidos para que isso não mais se repita. Mas também é necessário denunciar que nossos adversários utilizam todas as suas baterias para transformar essa questão numa crise política, visando a atingir a imagem do governo Lula.

De que forma?

CARDOZO: Temos que colocar as coisas às claras. Essa não é uma crise de um governo petista, gerada por petistas. É uma crise administrativa, que atinge órgãos públicos federais e estaduais, por força da adoção de modelos que, em decorrência do seu uso descontrolado, podem propiciar abusos e situações de improbidade praticadas por agentes públicos em geral.

Quais as suas prioridades como secretário-geral do PT?

CARDOZO: O PT terá no próximo período grandes desafios. Disputaremos nossa primeira eleição presidencial sem ter Lula como candidato. Teremos, já este ano, eleições municipais de importância fundamental para o nosso partido. É fundamental que a nova direção nacional consiga garantir a unidade do partido na execução das diretrizes traçadas pelo nosso último congresso. É preciso fazer as mudanças necessárias para que as instâncias partidárias sejam revitalizadas e a nossa militância estimulada, reabrindo-se o diálogo e a interação com importantes setores da sociedade, dos quais nos distanciamos no último período em decorrência da crise que vivemos. Das nossas propostas, creio que a mais importante que conseguiremos bancar será a criação do Código de Ética, que passará a regular a conduta de todos os petistas e reafirmará a concepção de que o PT é um partido que tem a ética e a visão republicana da política como um pressuposto da sua ação.

De que resolverá ao PT ter um código de ética? Após o mensalão, já houve outro escândalo, em 2006, com o dossiê dos aloprados.

CARDOZO: É evidente que nenhuma lei e nenhum código de ética, em si mesmos, têm o poder de evitar a prática de condutas que os contrariem. Contudo, não é porque uma pessoa possa vir a matar que devemos ter por inútil a regra do Código Penal que afirma que o homicídio é um crime. O PT é um partido político que, como todos os outros, é formado por homens e mulheres de carne e osso, sujeitos a desvios de conduta. É possível, como infelizmente aconteceu no passado, que alguns desses militantes ou dirigentes possam agir de forma contrária àquilo que o nosso partido defende no seu conjunto. O estabelecimento de regras claras, e de sanções rigorosas, será de fundamental importância para que o PT continue a reafirmar e exigir com rigor de todos os seus militantes o compromisso com a ética.

Como o senhor define essa nova direção partidária?

CARDOZO: Há grandes tarefas pela frente: repactuar internamente as nossas forças políticas; garantir a nossa unidade, revitalizando as nossas instâncias partidárias; restabelecer o diálogo com a sociedade e com os movimentos sociais; reafirmar nosso compromisso com a ética na política; combater as ações dos setores conservadores que buscam permanentemente inviabilizar o governo Lula e impor a sua agenda neoliberal ao país. Temos totais condições políticas de conseguir atender a esses objetivos. Aliás, estamos formando uma direção partidária que, para o futuro do nosso partido, não pode correr o risco de errar.

A prioridade será recuperar o PT e a ética ou vencer as eleições de 2008 e 2010?

CARDOZO: A ética deve ser um pressuposto e um fim para atuação do nosso partido. É impossível termos uma ação partidária voltada à transformação e à construção de políticas de combate à exclusão social e de afirmação plena da cidadania, sem que tenhamos a dimensão ética da política permeando a conduta dos nossos governantes, parlamentares, dirigentes e militantes. Não existe, portanto, nenhuma contradição entre a afirmação ética da nossa ação e a busca de vitórias eleitorais nas eleições de 2008 e 2010. Não podemos confundir a política de alianças afirmada pelo nosso partido com a base de sustentação política, voltada à governabilidade, de quaisquer de nossos governos. Partido é partido, e governo é governo. Enquanto partido, defendemos um eixo prioritário de intervenção na formação de uma frente de esquerda, ou seja, com as forças políticas com que temos maior afinamento ideológico e político. Isso não implica que nossos governos - respeitadas premissas éticas e republicanas, e a não descaracterização de seus respectivos planos de governo -, na busca da governabilidade, não possam ter na sua base de sustentação política um espectro de forças mais amplo.

"Não fizemos nenhum acordo em troca do cargo"

Apesar de derrotado no primeiro turno eleitoral, o seu grupo, Mensagem ao Partido, conseguiu recompor a antiga maioria partidária, que antes se chamava Campo Majoritário, em troca da secretaria-geral. Pelo menos é essa a opinião das demais correntes internas. O senhor não acha isso perigoso para o PT?

CARDOZO: Essa é uma avaliação equivocada. Não fizemos nenhum acordo de composição de maioria com o campo majoritário em troca do cargo. Se tivéssemos feito isso, estaríamos abrindo mão de uma das premissas do grupo Mensagem ao Partido, nossa disposição de superarmos a lógica perversa das nossas disputas internas por meio do enfrentamento das nossas tendências ou agrupamentos políticos. Hoje não temos mais no PT um campo que irá impor as suas decisões, através de uma maioria automática, ao conjunto do partido. Não fizemos qualquer acordo a respeito. Apenas pactuamos a nossa soma de esforços visando a realização de objetivos, dentre os quais a elaboração do próprio Código de Ética.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, escreveu em artigo que, para que o senhor assumisse a secretaria-geral e Joaquim Soriano a secretaria de Formação, na atual gestão, houve diálogo sobre uma plataforma mínima: aprovação do código de ética até julho deste ano e a não formação de maiorias automáticas. Esse diálogo se deu com quais forças?

CARDOZO: A nossa posição foi clara e transparente quanto à defesa do código de ética e da não-formação de uma maioria automática. O Campo Majoritário concordou com a nossa posição, e ofereceu a possibilidade de ocuparmos a secretaria-geral.