Título: O consumidor paga o gato
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 17/02/2008, Economia, p. 31

Brasil perde R$7 bi com furto de energia. Prejuízo é dividido com clientes das distribuidoras.

Ofurto de energia elétrica no país atingiu no ano passado a marca recorde de 47,5 milhões de megawatts/hora (MWh). Esse volume de eletricidade consumida e não paga equivale à demanda residencial de um ano inteiro na Região Sudeste ou a dois anos de consumo na Região Centro-Oeste. O prejuízo estimado de R$6,8 bilhões não sai apenas do caixa das distribuidoras de energia, mas também do bolso de todos os consumidores que pagam suas contas de luz.

Esses dados constam de um levantamento feito para o GLOBO pela Ampla, distribuidora de energia em 66 municípios do Estado do Rio. O volume de energia roubada no ano passado é mais que o dobro dos 21 milhões de MWh de furto apurados pela Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) em 2006. A associação não tem ainda os números oficiais de 2007.

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Rio de Janeiro - atendido sobretudo por Light e Ampla - é um dos estados onde há as maiores perdas de energia, principalmente por furto. As perdas totais de energia da Light no ano passado foram de 20,6%, das quais 14,6% representam perdas não-técnicas (furto). Na Ampla, as perdas totalizam 20%, dos quais 10% são furtados.

Comércio responde por 40% dos furtos

Executivos de empresas, associações de classe e órgãos do setor estão muito preocupados com o problema. O combate ao furto, dizem, gera um consumo mais eficiente, que, além de reduzir os prejuízos financeiros, permite melhorar a qualidade dos serviços, adiar investimentos e garantir o fornecimento de energia no país com menos riscos de racionamento.

Segundo o diretor de Relações Institucionais da Ampla, André Moragas, a energia roubada em 2007 atenderia ao aumento do consumo previsto pelo setor para este ano, que é de 19,5 milhões de MWh (uma expansão de demanda de 5,2%), e ainda sobrariam cerca de 25 milhões de MWh, cinco vezes o consumo anual do Distrito Federal. Com a redução de perdas, destaca Moragas, a Ampla adiou por dois anos investimentos de R$5 milhões em uma subestação em São Gonçalo.

Para o diretor de Clientes da Light, Roberto Alcoforado, o combate ao furto deve ser prioridade, já que o país tem dificuldades em atender ao consumo da população - há pouca água nos reservatórios das hidrelétricas e falta gás natural para fazer funcionar as usinas térmicas:

- A busca da eficiência energética neste momento de escassez de energia tem de começar pelo combate às perdas (furto). Quem usa energia de forma fraudulenta não está preocupado, pois não vai pagar a conta.

Tanto a Light quanto a Ampla afirmam que, ao contrário do que se imagina, não são apenas as comunidades de baixa renda que roubam energia. No caso da Ampla, 40% dos furtos de energia são praticados pelos pequenos e médios comerciantes e 15%, por consumidores de alta renda. Na Light, que atende a 31 municípios fluminenses, cerca de 60% da energia roubada são consumidos fora de favelas.

Segundo o superintendente de Regulação da Aneel, Ricardo Vidinich, o órgão permite que uma parte dessas perdas seja repassada às tarifas. No período de revisão dos contratos das distribuidoras entre 2003 e 2005, disse o executivo, a Aneel reconheceu 15,5 milhões de MWh de energia roubada no país. Esse total representou um prejuízo de R$5,5 bilhões, que foi repassado aos consumidores.

Mais pobres têm ajuda para poupar

A Aneel obriga as distribuidoras a investirem 0,5% de sua receita bruta em eficiência energética. Metade desse valor financia programas para populações de baixa renda, como reformas em instalações elétricas e troca de geladeiras e lâmpadas, entre outras ações. O presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães, diz que as distribuidoras investem cerca de R$350 milhões anuais nesses programas.

- Não basta regularizar o consumo dessa população. É preciso dar condições para que as pessoas paguem as contas. Para isso, é fundamental também a participação do poder público - afirma.

Os programas de uso racional da energia e combate ao roubo são prioritários mesmo nas distribuidoras com índices baixos de furto, como AES Eletropaulo, que serve a Região Metropolitana de São Paulo e é a maior distribuidora da América Latina, e a Elektro, que atende a 223 municípios paulistas e a cinco no Mato Grosso do Sul. Na Eletropaulo, as perdas por roubo são de 5,1%. Na Elektro, chegam a 1,64%.

Segundo o coordenador do Programa de Eficiência Energética da Elektro, Evandro Romanini, o combate ao furto é uma prioridade na empresa porque beneficia todos os consumidores. Já o diretor de Gestão da Receita da AES Eletropaulo, Charles Capdeville, destaca que, apesar de em termos percentuais o furto na distribuidora ser pequeno, em volume é um dos maiores do país - cerca de 2,8 milhões de MWh:

- A diminuição do consumo com a redução do furto é positiva, porque é melhor ter um consumidor que pague conta e reduzir a inadimplência.

www.oglobo.com.br/economia