Título: Medo joga milhares no limbo em Timor Leste
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 17/02/2008, O Mundo, p. 43

País tem dezenas de milhares de pessoas deslocadas desde 2006, quando rebelião de ex-militares detonou conflito étnico.

DÍLI, Timor Leste. Em meio a centenas de barracas da ONU e poças de esgoto a céu aberto no terreno ao lado da Igreja de Santo Antônio de Motael, em Díli, o desempregado Armando Amaral, de 37 anos, repassa com os filhos o abecedário em português. No momento, está sem emprego e seu tempo livre pode ser gasto ajudando-os filhos no pré-escolar. Em 2006, quando o conflito étnico deflagrado pelo motim de militares - que acusavam a Polícia da capital e as Forças Armadas de Timor Leste de discriminação - evoluiu para uma quase guerra civil, gangues destruíram a casa de Amaral, que foi obrigado a se mudar com mulher, sogra e sete filhos para o campo de Motael, que abriga cerca de 1.700 pessoas.

O episódio vivido por ele ocorreu também com muitas outras famílias e hoje Amaral integra o contingente de mais de 30 mil pessoas que moram em 53 campos de refugiados na capital (outros 70 mil moradores de Díli se mudaram para outros distritos do país), os chamados deslocados. Trata-se de 23% da população da capital, cerca de 130 mil pessoas. Esse é de longe o mais grave efeito do conflito dos ex-militares rebelados liderados pelo major Alfredo Reinado, morto na tentativa de golpe da semana passada.

Em janeiro, Amaral teve, pela primeira vez, esperança concreta de voltar em breve para casa. O governo anunciara um cadastramento dos deslocados para o início de um programa de reconstrução de casas e de reassentamento. As famílias poderiam optar entre uma ajuda de US$4.500 para reconstruir suas casas ou receber uma casa nova do governo, além de US$1.500.

- Eu achava que era desta vez, mas com a tentativa de assassinato do presidente, não sei de mais nada - diz ele.

Governo quer evitar confrontos entre vizinhos

De fato, com o atentado ao presidente e ao premier, semana passada, uma reunião de governo convocada para decidir ações que permitissem aos deslocados voltar para casa acabou cancelada. A preocupação do governo é garantir a segurança dos reassentamentos, para evitar novas brigas entre famílias, vizinhos ou a ação de gangues.

- O trabalho de reassentar famílias é resultado de esforços não apenas para a construção de casas, mas também para garantir segurança para a população, emprego para as famílias, proteção social para os mais carentes e desenvolvimento para o país - diz Luiz Vieira, chefe da missão da ONG Organização Internacional para as Migrações (OIM) para Timor Leste. - Só assim eles conseguem voltar.

Vieira responde às críticas de integrantes do governo que condenam alguns deslocados por não terem deixado os campos apesar de terem casas na cidade. Segundo a OIM, estima-se que metade dos 30 mil deslocados esteja nesta situação. Mas há explicações para isso:

- Muitos de fato possuem casas, mas não têm segurança de que a violência vá acabar. Outros ficam nos campos apesar de terem casas, porque aqui distribuímos quatro quilos de arroz, um e meio de feijão e um litro e meio de óleo para cada pessoa por mês. Não adianta voltar para casa sem comida.

Não foi por outra razão que o governo timorense decidiu, em janeiro, desvincular o programa de distribuição de comida dos campos para centros de ação social pelo país e iniciou o financiamento para a reconstrução das casas dos deslocados. Mas aí vieram os atentados.

- Estou muito frustrado. - diz o padre Antonio Alves. - Todos os meses alguém do governo vem aqui e diz que o problema se resolverá em seis meses. Hoje faz dois anos que estas famílias ocupam o terreno da igreja e eu não posso simplesmente mandá-los embora. Eu rezo por este governo.