Título: Lula diz não à Argentina e desvia foco do gás
Autor: Oliveira, Eliane; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 24/02/2008, Economia, p. 34

Presidente defende "solidariedade" e, para compensar, oferece a Cristina Kirchner eventual transferência de energia elétrica

BUENOS AIRES. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou ontem a Argentina sem atender aos apelos do país vizinho para que o Brasil reduzisse parte de suas compras de gás da Bolívia em favor do mercado argentino. Em reunião com os colegas Cristina Kirchner e Evo Morales, Lula conseguiu tirar o gás da agenda trilateral de curto prazo, defendeu uma "política de solidariedade" energética na região e, para compensar a frustração da presidente argentina, acenou com a possibilidade de transferir energia elétrica, algo em torno de 200 megawatts/hora, se houver disponibilidade.

- Nosso problema não é gás, e, sim, energia. Precisamos ter a consciência de que a energia não é produzida apenas de gás - arrematou Lula, pouco antes de embarcar para Brasília, após participar da reunião, que começou com duas horas de atraso devido à demora de Morales. - Essa política de solidariedade é extremamente importante para que possamos garantir que os investidores permaneçam em nossos países.

A decepção foi evidente não só no caso dos argentinos, que pediram um milhão de metros cúbicos diários de gás mais energia elétrica, mas também entre os bolivianos, que foram a Buenos Aires a convite da Argentina para tentar convencer o Brasil a ceder parte de suas importações. O ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, disse ao GLOBO, antes de voltar a seu país, que, no encontro, não foi prometido à Argentina o aumento do volume de suas aquisições de gás:

- Não se garantiu qualquer volume - admitiu ele, que, tentando minimizar o fracasso de seu governo na negociação, assegurou que os três países se mostraram dispostos a encontrar soluções.

Já Morales, que havia sugerido uma fórmula para repartir o gás entre Brasil e Argentina, não pareceu sair contente: suspendeu uma entrevista coletiva e deixou a Argentina sem fazer comentários. Os presidentes criaram uma comissão tripartite, formada pelos ministros de Minas e Energia. A idéia é discutir as dificuldades e encontrar soluções, de médio e longo prazos, para distribuição de gás e expansão da oferta de outras fontes de energia.

Argentina pagará por energia que receber quando puder

Segundo o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli - que defendia o não à Argentina e, anteontem, disse que não abriria mão de "qualquer molécula de gás" -, o grupo volta a se reunir em dez dias. Villegas disse que o encontro será em La Paz.

Lula argumentou que as economias estão crescendo - 8% a Argentina, 5% o Brasil e 4,5% a Bolívia. Assim, todos precisarão de energia. Ele afirmou ter sido informado por Morales de que os bolivianos poderão, a médio prazo, atender a brasileiros e argentinos. Fontes do governo desconfiam dessa garantia.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, explicou que haverá um sistema de transferência de energia para a Argentina. O Brasil cede e, quando os argentinos puderem, pagarão pelo que receberem. O Brasil não abrirá mão de gás natural nem no inverno:

- Tudo isso sem repasse de gás, pois não vamos abrir mão do que contratamos da Bolívia. Será repasse de energia, se tivermos energia para fornecer. Há um certo limite.

(*) Enviada especial

(**) Correspondente (com agências internacionais)