Título: Reféns da incerteza
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 29/04/2009, Mundo, p. 21

Moradores da Cidade do México evitam sair de casa. Brasileiro pensa em embarcar filhos para São Paulo

¿O que os olhos não veem, o coração não sente¿, afirma ao Correio Ernesto Sánchez Corral, de 43 anos. O engenheiro de computação vive na Cidade do México com um filho pequeno e a mulher. Ele explica que não está alarmado com a gripe suína. Nenhum amigo ou parente ficou doente e tudo o que sabe sobre a doença chega pelo rádio e pela televisão. Mas Ernesto conta que os supermercados estão cheios e as pessoas saem às compras ¿em pânico¿.

Ele avalia que apesar de o governo do presidente Felipe Calderón ter tomado medidas preventivas, os mexicanos sentem desconfiança. ¿Fazem-nos pensar que estão ocultando informações. Essa é a sensação geral.¿ As autoridades mexicanas, com base em resultados de exames feitos em laboratórios americanos e canadenses, rebaixaram ontem de 20 para sete as mortes por gripe suína no país. Os outros 13 óbitos serão objeto de novas análises. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece 152 mortos no país.

No decorrer da semana, a rotina do engenheiro mexicano mudou bastante. ¿No prédio onde trabalho há normalmente mais de 2 mil pessoas e cerca de 35% foram enviadas para trabalhar em casa.¿ Segundo ele, só ficaram nos escritórios quem não pôde levar o trabalho para casa. A empresa apoiou a medida preventiva do governo de evitar que as pessoas criem aglomerações na cidade. Funcionários da Secretaria de Saúde alertaram que as pessoas mais vulneráveis ao vírus têm faixa etária dos 20 aos 45 anos ¿ justamente a população economicamente mais ativa.

Para colocar os pés na rua, só com a máscara de proteção. ¿Sabemos que houve gente que se aproveitou para aumentar os preços das máscaras¿, disse Ernesto. O Correio entrou em contato por telefone com cinco farmácias na Cidade do México. Em todas o material estava esgotado e a média de preço variava entre um e três pesos (equivalente a R$ 0,16 e R$ 0,48). Um dos estabelecimentos informou que receberia novas máscaras na tarde de hoje. ¿Tenho que ver qual será o preço da tabela. As últimas foram vendidas a 33 pesos (R$ 5,3)¿, revelou a vendedora. Amigos do engenheiro mexicano encontraram as máscaras por 50 pesos. ¿E apesar dos alertas para ninguém se automedicar, os antigripais começam a escassear¿, acrescentou.

O administrador de empresas José Wilson de Oliveira Jr., 48 anos, trocou há 9 meses São José dos Campos (SP) pela Cidade do México e também está trabalhando em casa, pela internet. Ele disse à reportagem que não sente medo na capital, mas ¿uma situação de precaução¿. ¿Evitamos sair de casa, só saímos em situação de extrema urgência¿, afirma.

A rotina dos três filhos ¿ de 15, 19 e 25 anos ¿ também foi alterada. O ministro da Saúde, José Angel Córdova, suspendeu as aulas em todo o país até 6 de maio, como forma de ganhar tempo no combate à doença. ¿Os meninos estão mais calmos do que eu e minha mulher¿, diz o brasileiro. Mas se a epidemia se agravar, ele promete mandar os filhos de volta ao Brasil. Por outro lado, o mexicano Ernesto admite que ele e a esposa não estão preocupados, pois não souberam de nenhuma criança doente na escola do filho. ¿Ele está tranquilo, como se estivesse de férias¿, disse.

Novela sem beijo A gripe afetou outro produto favorito dos mexicanos: as gravações das telenovelas não foram canceladas, mas sim as cenas com maior proximidade entre os atores. ¿Desde a semana passada, quando disparou o alarme sobre a epidemia, não gravamos nenhuma cena com beijos¿, revelou Nicandro Díaz, produtor de Mañana es para siempre, uma das novelas mais assistidas no país. Ele pediu aos roteiristas para expressarem o amor de outro modo. ¿Por exemplo, com olhares, sem recorrer ao contato físico dos lábios.¿ Já a assessora de imprensa do Auditório Nacional, Adriana Calera, explicou que os eventos culturais na capital serão cancelados ou adiados. ¿A partir de amanhã, devolveremos o dinheiro a todos que adquiriram entradas.¿