Título: Casuísmo
Autor: Silva, José Dirceu de Oliveira e
Fonte: O Globo, 18/02/2008, Opinião, p. 7

Com a autoridade de quem foi prefeito, senador, governador reeleito e administrador público, Paulo Hartung, que governa o Espírito Santo, defendeu aqui nesta página do GLOBO (11/2) o fim da reeleição e propôs um mandato de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos.

Proponho o contrário. Se há uma reforma que deu certo, foi a da reeleição. Nós do PT votamos contra, mas não há nada que justifique, 10 anos depois, sua extinção. Primeiro 10 anos é muito pouco tempo para avaliar a experiência institucional de um instrumento como a reeleição, que permitiu, pela primeira vez na História do Brasil, continuidade administrativa e formação de governabilidade.

Um dos argumentos do governador Hartung, de que a reeleição inviabilizou as reformas necessárias para o Brasil, não resiste a uma análise factual. As reformas não saem, não por causa da reeleição, mas por falta de maiorias ou por falta de vontade política dos governantes. E várias reformas foram feitas, sim, no primeiro governo Lula - a previdenciária, a tributária, a do Judiciário, além da aprovação de uma vasta legislação sobre mercado habitacional e de capitais, estatuto da pequena e da microempresa, lei de recuperação de empresas, só para citar algumas.

O argumento da fraqueza do governo no segundo mandato vale para os dois últimos anos do mandato de 5 anos proposto. Logo o problema não é a reeleição e sim ter um programa e uma maioria parlamentar. Também não resiste aos fatos o principal argumento invocado pelo governador Hartung para propor o fim da reeleição já: o de que ela permite ao candidato o uso do cargo, e que a exposição do governante o reelege.

Mas, no mandato de 5 anos, o cargo e a máquina podem ser usados para promover o provável candidato que vier a ter o apoio do atual ocupante do cargo. Então, o problema é outro, é aperfeiçoar a legislação e cumprir a lei, impedindo o uso da máquina e do cargo em qualquer hipótese com ou sem reeleição. Fora o fato que muito governante perdeu eleição com uso do cargo, publicidade e tudo.

Nosso problema não é a reeleição, é o atual sistema político e eleitoral. Precisamos é fazer a reforma política, instituindo o voto em lista, o financiamento público das campanhas, a fidelidade partidária, o fim das coligações proporcionais e dos suplentes de senador e introduzindo, finalmente e para valer, a cláusula de barreira.

Se aprovada, a proposta do governador Hartung traria, ainda, o imbróglio adicional do mandato de 5 anos. Como colocá-lo em prática ? Teríamos que prorrogar mandatos, ou encurtar, ou pior, fazer três eleições em 5 anos, o que é humana e politicamente inviável e desaconselhável.

Se vamos fazer uma reforma, é melhor que seja a política, com os pontos que sugeri acima e não o fim da reeleição. Se a acabarmos agora, será mais um casuísmo, para acomodar interesses em 2010, como foi a introdução da reeleição em 1998.

JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA foi ministro-chefe da Casa Civil.