Título: Vale obtém reajuste de 65% para minério
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 19/02/2008, Economia, p. 22
Acordo com asiáticos deve ser seguido por outras empresas. Siderúrgicas brasileiras devem repassar a alta de custos.
RIO, SÃO PAULO, LONDRES e SEUL. Após meses de negociação, a Vale fechou ontem acordos com cinco siderúrgicas japonesas e a Posco, sul-coreana, para reajustar o preço de seu minério de ferro em pelo menos 65%. O aumento veio acima do esperado e foi comemorado por analistas como um sinal de que a demanda mundial por commodities continuará aquecida - e de que a crise americana não afetará as economias asiáticas. Para o Brasil, o reajuste poderá representar um aumento, em 2008, de US$3 bilhões nas exportações com minério de ferro, em relação ao ano passado.
Os contratos fechados ontem pela Vale com as siderúrgicas asiáticas - além da Posco, as japonesas Nippon, JFE, Kobe, Nisshin e Sumitomo - deverão ser seguidos pelas chinesas e usados como referência nas negociações dessas empresas com mineradoras australianas.
Ações da empresa disparam na Bolsa de São Paulo
Os analistas esperavam uma alta de 50%. Mas, além de um aumento superior, de 65% (para US$1,1898 a tonelada), a Vale conseguiu obter um adicional para o minério de Carajás, de melhor qualidade, que ficará em US$1,2517, ou seja, com um reajuste de 71%. Os novos valores entram em vigor em 1º de abril. Foi a primeira vez que a Vale negociou um preço diferente para Carajás, que representa 30% das vendas da Vale, lembra o analista Rodrigo Ferraz, da Brascan Corretora.
- Entre 2003 e 2007, o minério da Vale subiu 185%. Agora, os reajustes vieram altos novamente - diz Ferraz.
Ele acrescenta que, com um reforço em seu caixa, a Vale poderá elevar sua oferta pela mineradora anglo-suíça Xstrata. A Vale teria feito uma proposta de compra de US$70 bilhões pela Xstrata que, no entanto, recusou a oferta por considerá-la baixa. Havia o temor de que uma proposta mais agressiva pela Vale fizesse seu endividamento crescer muito, levando a empresa a perder a chancela de investment grade (recomendação de investimento pelos analistas). Agora, com o caixa reforçado pelo reajuste no minério de ferro, esse risco foi afastado.
Outra vantagem para as negociações com a Xstrata virá no preço das ações da Vale, destaca Alan Cardoso, da Prosper Corretora. A oferta pela Xstrata incluía troca de ações, e os papéis da anglo-suíça subiram muito desde que veio a público a proposta da Vale. Mas as ações da brasileira não acompanharam essa alta. Ontem, porém, graças ao aumento no preço do minério, as ações preferenciais (PN) da Vale subiram mais de 5%.
Com o reajuste obtido pela Vale, as exportações brasileiras de minério de ferro poderão alcançar US$13 bilhões este ano, prevê o vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro. Serão US$3 bilhões a mais que em 2007, quando foram vendidos US$10 bilhões. Parte desse valor virá com o aumento da quantidade exportada - a AEB estima 280 milhões de toneladas de minério de ferro este ano, contra 269 milhões em 2007. O restante virá pelo preço. Antes do anúncio da Vale, a AEB previa que as vendas de minério renderiam US$12,25 bilhões ao país este ano.
Para FGV, haverá um "efeito residual" na inflação
O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, disse ontem que as estimativas para as exportações brasileiras este ano, atualmente em US$200 bilhões, poderão ser revistas para cima. Poderá haver, porém, um impacto na inflação:
- Será um efeito residual, diluído pela cadeia - avalia Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Quadros lembra que, em 2005, quando a Vale praticou um reajuste de 71,5%, os preços do minério de ferro no atacado subiram só 29,13%. Mas, naquele ano, o câmbio ajudou, e a demanda interna não estava tão aquecida como agora.
As siderúrgicas brasileiras devem conseguir repassar a alta de custos com o reajuste do minério de ferro, prevê Alan Cardoso, da Prosper. A Gerdau, por exemplo, já teria anunciado alta de preços no início do ano, de 8% a 9%. Para Usiminas e CSN, que têm fornecimento próprio de minério, o impacto não será tão relevante, acrescenta Cardoso.
No Japão, já se calcula que as montadoras Toyota, Honda e Nissan pagarão, juntas, US$1,85 bilhão a mais pelo aço este ano, por conta do reajuste no preço do minério de ferro da Vale. A mineradora anglo-australiana Rio Tinto, por sua vez, tentará pedir aumentos maiores do que os 65% obtidos pela Vale, sob o argumento de que seu custo de frete para China, Japão e Coréia do Sul é menor. Mas, segundo Rodrigo Ferraz, da Brascan Corretora, as mineradoras australianas dificilmente conseguirão mais do que o obtido pela Vale.
Com os mercados americanos fechados por causa do feriado do Dia do Presidente nos EUA, a alta nos papéis da Vale fizeram a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subir 2,5% ontem. As ações preferenciais da série A da Vale tiveram alta de 5,07%, e as ordinárias, 4,29%. O dólar caiu 0,97%, para R$1,736.
COLABOROU Felipe Frisch, com Bloomberg News