Título: Entidade critica perseguição judicial de igreja
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Fonte: O Globo, 22/02/2008, O País, p. 10

IMPRENSA: "O Judiciário não será instrumento para coibir a atuação da imprensa", diz o presidente da AMB.

Representantes do meio jurídico condenam ações orquestradas de fiéis e pastores da Universal contra jornais.

BRASÍLIA E RIO. A organização internacional Repórteres sem Fronteiras divulgou um comunicado ontem em que chama de "perseguição judicial" a série de ações de fiéis e pastores da Igreja Universal contra jornais e jornalistas brasileiros. A entidade diz estar preocupada e expressa apoio aos jornais que foram vítimas das ações, entre eles a "Folha de S.Paulo", o "Extra" e a Agência A Tarde.

"A liberdade de imprensa implica, evidentemente, dar a possibilidade a qualquer pessoa que se considere injuriada ou difamada de reclamar. Mas uma coisa é protestar, outra muito diferente é incorrer numa autêntica perseguição judicial. Por que razão a Igreja Universal do Reino de Deus não iniciou, como pessoa moral, um processo único contra cada um dos diários? Essa multiplicação de ações individuais parece obedecer a uma verdadeira estratégia de assédio contra a mídia. O argumento religioso não tem nenhum valor no litígio que opõe a Iurd à "Folha de São Paulo". Expressamos todo o nosso apoio aos três jornais em causa", diz o comunicado da entidade. As ações movidas pela Igreja Universal têm provocado polêmica no próprio meio jurídico. Ontem, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou qualquer tentativa de impedir a liberdade de imprensa - que, para ele, é indispensável em um país democrático. O ministro afirmou que a atitude da Universal pode configurar abuso e litigância de má-fé.

- É preciso examinar o caso concreto, só tenho conhecimento pelo noticiário. Mas, pelo que vejo, pode se caracterizar litigância de má-fé. A utilização de ações judiciais em massa pode constituir abuso e tentativa de inibir a imprensa. E não há democracia sem imprensa. O Judiciário tem que estar atento a esse elemento básico do estado democrático de direito - alertou o ministro.

Presidente da AMB critica ações da Universal

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Mozart Valadares, criticou qualquer tentativa de intimidação da imprensa. Ele afirmou que o Judiciário não será o instrumento para coibir a liberdade de expressão, uma garantia constitucional.

- Não há nenhum dispositivo legal que impeça pessoas físicas e jurídicas de entrar com ações no Judiciário. Mas o juiz precisa ter discernimento de saber se o Judiciário está sendo usado para fins escusos, ou para tentar impedir a liberdade de expressão. As características e a quantidade das ações (propostas pela Universal) me fazem crer que há uma tentativa de intimidar a plena atividade jornalística. O Judiciário não será instrumento para coibir a atuação da imprensa brasileira, até porque ela é garantida pela Constituição - afirmou Valadares.

Presidente da OAB: forma oblíqua de censura

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também condenou a atitude da Igreja Universal. Para o presidente da entidade, Cezar Britto, não se pode tentar coibir a liberdade de expressão por meio de ações judiciais:

- A busca de reparação judicial é recurso legítimo do estado democrático de direito. Não pode, no entanto, esse direito transformar-se em instrumento de perseguição política, exercendo papel de censura e de intimidação à liberdade de expressão.

Britto considerou a campanha da Universal contra jornais "o estabelecimento de forma oblíqua de censura, por meio de pressão econômica" ? o que, para ele, é inadmissível. O presidente da ordem acrescentou que a liberdade de imprensa é fundamental para a existência da democracia.

A OAB do Rio de Janeiro também divulgou nota condenando as ações da Universal contra a imprensa. Assinado pelo presidente da entidade, Wadih Damous, o texto diz que o comportamento da igreja e de seus fiéis pode "caracterizar litigância de má-fé".

"A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, condena veementemente o uso de dezena de fiéis da Igreja Universal, em todo o Brasil, para a abertura de processos contra jornalistas que assinaram reportagens sobre os negócios daquela igreja. A OAB/RJ considera que tal comportamento ameaça a liberdade de imprensa."

Para a OAB-RJ, os trechos comuns nas ações "dão a aparência de que se trata de algo orquestrado, e não de uma iniciativa isolada de fiéis da igreja, que aparecem formalmente como autores das ações." A entidade diz defender a "liberdade religiosa e o respeito a toda e qualquer crença, mas conclama o Poder Judiciário a não se deixar instrumentalizar por segmentos que não aceitam críticas e querem agredir a liberdade de imprensa no país.