Título: Política externa foi o carro-chefe da mudança
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 29/04/2009, Mundo, p. 24

Hoje, quando Barack Obama se apresentar diante de uma legião de jornalistas para a coletiva de imprensa sobre os seus 100 primeiros dias na Casa Branca, dois temas terão maior destaque: as ações tomadas por seu governo para combater a crise financeira e as várias frentes da nova diplomacia americana. Durante esse período, a política externa dos Estados Unidos só não teve mais espaço dentro da administração Obama por conta do imenso desafio na economia. Mesmo assim, o presidente conseguiu iniciar uma lenta aproximação com Rússia, Cuba, Venezuela e até Irã. Também anunciou a retirada das tropas do Iraque até o fim de 2011 e uma estratégia ¿abrangente¿ para o Afeganistão e Paquistão. Além disso, suas estreias mundial e regional ¿ nas Cúpulas do G-20, em Londres, e das Américas, em Trinidad e Tobago ¿ foram consideradas bem-sucedidas.

¿Os esforços significativos de Obama na política externa serviram principalmente para mudar o tom do governo de George W. Bush perante o resto do mundo nos últimos oito anos¿, afirma a professora Amy Black, do Departamento de Política e Relações Internacionais do Wheaton College. Em seu discurso de posse, há exatos 100 dias, Obama já tinha dado importantes indicações da mudança de rumo. Prometeu ¿buscar um novo caminho¿ com o mundo islâmico e se mostrou disposto a ¿estender a mão¿ aos países que por muito tempo consideraram os EUA um inimigo, se eles ¿estiverem dispostos a abrir os punhos¿.

O aperto de mãos entre o presidente americano e o venezuelano Hugo Chávez, na Cúpula das Américas, há menos de duas semanas, foi uma das provas mais literais da promessa da posse. Assim como o botão de ¿reiniciar¿ levado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, a Moscou ¿ como sinal do recomeço das relações bilaterais. Nesse último caso, as demonstrações foram além do simbolismo. Durante a cúpula do G-20, no começo de abril, Obama e Medvedev tiveram um encontro particular e se comprometeram a reduzir os arsenais nucleares de seus países. O americano deve ir à Rússia ainda este ano para discutir a controversa questão do escudo antimísseis no Leste Europeu, projeto de Bush.

Outras aproximações surpreenderam. Com o Irã, por exemplo, Obama tem avaliado a possibilidade de conversas diretas sem condições prévias. A ideia é fazer com que Teerã desista de seu programa nuclear pela via diplomática. No último dia 22, o regime islâmico se disse ¿disposto¿ ao diálogo, mas insistiu que ¿continuará suas atividades nucleares¿. Em relação a Cuba, outro antigo desafeto, Obama cumpriu a promessa de campanha de suspender as restrições de viagens e de remessas de dinheiro à ilha. E, embora tenha sido tomada como forma de antecipação à pressão que Obama receberia na Cúpula das Américas, a decisão fez com que os governos iniciassem um diálogo. Segundo o Departamento de Estado, representantes dos dois lados já se encontraram algumas vezes para ¿discussões informais¿.

Poder inteligente Mas não é o diálogo puro e simples que desponta na nova política externa americana. A pasta dirigida por Hillary tem como pilar o chamado smart power (¿poder inteligente¿), que envolve não só a diplomacia, como também o poderio militar (se necessário) e ferramentas políticas e culturais. Mas, até agora, as mudanças parecem suscitar pouca empolgação entre quem é da área. Em uma avaliação proposta pela revista Foreign Policy a 35 especialistas em política externa, a nota de Obama no quesito diplomacia ficou pouco acima dos 6 pontos.

¿A defesa do presidente sobre suas conversas amigáveis com Chávez foi bem típica: demonstrou nenhum conhecimento ou entendimento sobre o impacto de sua ¿aproximação¿ com Chávez, com Daniel Ortega (Nicarágua) ou com a China para os valentes cidadãos desses países que ainda querem a democracia¿, acusa Elliott Abrams, especialista em estudos do Oriente Médio do Conselho de Relações Exteriores, que atuou nos governos de Ronald Reagan e de George W. Bush e deu a menor nota para o presidente.