Título: Ainda sobra troco
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 22/02/2008, Economia, p. 25

Brasil tem dólares suficientes para quitar sua dívida externa e ainda embolsar US$4 bi.

Pela primeira vez na História, o Brasil tem em caixa dólares, euros e ienes mais do que suficientes para pagar todos os débitos que os governos e as empresas mantêm no exterior. Segundo o Banco Central (BC), no mês passado o país se livrou completamente do fantasma da dívida externa - que já o levou a decretar um calote no fim dos anos 1980. Foi em janeiro que, colocando na ponta do lápis o endividamento e todos os ativos financeiros em moeda estrangeira (reservas internacionais, depósitos bancários no exterior, empréstimos concedidos ao exterior), houve uma sobra superior a US$4 bilhões. Ou seja: de devedores, passamos a credores.

A principal razão foi a continuidade, em janeiro, da agressiva política de acumulação de reservas do BC. Estas aumentaram em US$7,173 bilhões, para US$187,507 bilhões. Nesse período, os indicadores já disponíveis mostram que a dívida externa recuou ou permaneceu estável. Conjugados, os fatores garantiram recursos para honrar, com folga, os US$4,354 bilhões em débitos que estavam descobertos em dezembro do ano passado.

Em sua coluna no GLOBO em 21 de janeiro, George Vidor disse que as reservas superariam o endividamento já em fevereiro. A conquista - que teve início nos anos 1990, com a renegociação da moratória - aumentará a percepção de solidez das finanças nacionais e favorecerá a redução dos juros cobrados de União e setor privado na hora de captar recursos.

Mais um passo para grau de investimento

A demonstração de que o país tem capacidade de honrar seus compromissos pode ajudar ainda na obtenção do chamado grau de investimento (baixíssimo risco de calote) - embora este já fosse dado como certo.

Para Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do BC, o fim da dívida externa brasileira servirá de atalho para o grau de investimento. Para ele, a "política acertada" de composição de reservas nos últimos anos foi essencial:

- O Brasil será o segundo país emergente do mundo, atrás só da China, a continuar atraindo investimento de longo prazo com força, mesmo com a crise financeira. Com mais dólares no Brasil, o real vai se valorizar, e a inflação vai ceder ainda mais. O dólar fraco, que vai prejudicar as exportações e criar um déficit em conta corrente, aumentará a competitividade do país, com a maior importação de bens de capital.

A equipe econômica comemorou a notícia. Em nota, o presidente do BC, Henrique Meirelles, destacou que o país foi bem-sucedido devido à atual política macroeconômica: "Essa melhora significa que estamos superando gradativamente um longo período caracterizado por vulnerabilidade e crises, causadas principalmente pela dificuldade em honrar o passivo externo do país". O coordenador da Dívida Pública do Tesouro Nacional, Guilherme Pedras, ressaltou que o Brasil vai atrair mais investidores.

- O Brasil está muito confortável, ninguém tem dúvida disso - afirmou ao GLOBO o secretário-adjunto do Tesouro, Paulo Valle.

No relatório Focus especial de ontem, o BC apenas garantiu que o Brasil se tornou credor da dívida externa. Os números de janeiro só serão divulgados semana que vem. "Já se estima que esse montante (estoque da dívida) se tornará negativo em mais de US$4 bilhões, significando que, em termos líquidos, o país passou a credor externo, fato inédito em nossa história econômica", afirma.

Há quase dois anos o Brasil é apontado, na prática, como credor. Desde 2006, o setor público já dispunha de dinheiro para pagar, se necessário, toda a sua dívida externa. Isso foi possível porque a União reduziu seu endividamento, quitando os débitos com o FMI e o Clube de Paris e retirando títulos como o C-Bond. E as reservas internacionais cresceram 248,5% entre o fim de 2005 (US$53,8 bilhões) e 31 de janeiro.

Com isso, a relação entre os débitos públicos e as reservas internacionais passou de 163% em 2005 para apenas 39% em 2007. Porém, ao ser computado o endividamento das empresas, a relação estava em dezembro em 110% - contra 557% em 2002. Faltava cobrir toda a dívida privada - o que ocorreu agora.

Mas a dívida não será quitada. Além de grande parte dela ser de empresas, as reservas são necessárias para uma possível crise. E os empréstimos tomados pelo governo no exterior pagam juros mais baixos, sendo mais lucrativo investir esses recursos.

COLABORARAM Henrique Gomes Batista e Bruno Rosa