Título: O fantasma não assusta mais
Autor: Alves, Cristina; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 22/02/2008, Economia, p. 27

Após idas e vindas ao FMI e moratórias, dívida externa do país foi solucionada com pragmatismo e ortodoxia.

O fantasma ficou para trás. O Brasil hoje tem dinheiro suficiente para pagar sua dívida externa, tanto pública como privada. E ainda sobra troco. A notícia chega justamente num momento em que o mundo vive o temor de mais uma crise internacional, desta vez, vinda dos Estados Unidos, motor - ainda - da economia do planeta. Claro que a crise pode respingar no Brasil, mas agora o país tem o seu "colchão de liquidez", recheado com US$187,507 bilhões.

A dívida externa foi uma das grandes bandeiras de muitas gerações. Os choques do petróleo e a disparada dos juros pelo banco central americano - nas mãos de Paul Volcker - levaram à moratória mexicana em 1982. Não demorou muito, chegou ao Brasil. "Não pagaremos a dívida com a fome do povo", bradou Tancredo Neves. No governo José Sarney, foi o ministro Dilson Funaro que disse que o Brasil não pagaria. Durante anos, simpatizantes da esquerda, líderes sindicais, artistas... Não faltou quem empunhasse bandeiras contra o Fundo Monetário Internacional (FMI), os banqueiros internacionais, todos que usurpavam o Terceiro Mundo.

Governo do PT, que pregou moratória, paga antes ao FMI

Hoje, para os mais novos, o discurso parece roto e envelhecido. Mas não era. A dívida externa foi solucionada com o pragmatismo e a ortodoxia usados no combate à inflação. A bandeira contra a dívida externa ficou para trás. E o fato é celebrado justamente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente que um dia foi líder sindical e que bradou contra a dívida externa a ponto de o seu partido ter proposto auditoria, moratória e até plebiscito para saber se o país deveria, ou não, pagá-la.

Nenhuma medida radical foi tomada. Não houve mágica. Houve, sim, um longo caminho de renegociações, troca de títulos e, mais recentemente, de grande acumulação de reservas internacionais, com a compra oportunista pelo Banco Central de dólares que se espalhavam em abundância pelo mercado brasileiro, com o avanço das exportações. Inchava-se as reservas e impedia-se a queda exagerada do dólar. Tudo isso permitiu, sem heterodoxia e sem passe de mágica, espantar o fantasma do endividamento.

Quase duzentos anos depois, os sustos com as idas periódicas do país ao Fundo Monetário Internacional (FMI) sumiram. No lugar, apareceu um Brasil que foi, sim, ao FMI no fim de 2005, mas para antecipar o pagamento de sua dívida de US$15 bilhões, contraída meses antes de o presidente Lula assumir a condução do país.