Título: Lula: Companheira Matilde não cometeu crime
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Fonte: O Globo, 21/02/2008, O País, p. 8
Na posse de Edson Santos, presidente diz que aconselhou ministra a deixar o cargo para não ser massacrada
BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a posse do ministro da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos, para defender a primeira titular do cargo, Matilde Ribeiro, demitida no último dia 2 após denúncias de mau uso do cartão corporativo. Lula disse ter aconselhado a ex-ministra a deixar o cargo para não ser "massacrada e triturada":
- A companheira Matilde sai do governo sem ter cometido nenhum crime. Não cometeu nenhum delito, teve apenas falhas administrativas. Em uma conversa muito franca com ela, eu disse que não compensava ficar num cargo para ser massacrada e triturada, como ela foi durante dez dias consecutivos.
A declaração provocou aplausos da platéia, formada por representantes do movimento negro, ministros, deputados e senadores, além do governador do Rio, Sérgio Cabral. Foi uma das posses mais prestigiadas no segundo mandato de Lula, fato reconhecido pelo presidente. Ele disse que o novo ministro estava "com a bola toda" e que na sua própria posse não havia tanta gente. Cerca de mil pessoas ocuparam o Salão Negro do Planalto. Matilde não compareceu.
- Minhas homenagens à companheira Matilde, que continua sendo minha companheira intocável, que sempre foi, desde o tempo de sua militância em Santo André, e que trabalhou com muita força e com muito carinho para tentar unificar todas as divergências, todas as coisas que aconteciam no movimento - afirmou Lula.
O presidente sugeriu que o ministro viaje pelo Brasil para conhecer a realidade do negro e não se preocupe com críticas.
- Não se preocupe com as críticas porque você vai viajar. Não se preocupe, porque tem gente que está habituada a ver governos que passavam quatro anos aqui dentro, entocados, fazendo política apenas pelo que lia. É importante que, além de ler, saia por este país. Você vai ver que tem muito mais negros, muito mais marginalizados do que os que você conheceu na periferia do Rio - disse Lula.
O presidente avaliou que, desde a criação da Seppir, em março de 2003, houve avanços na questão da igualdade racial no país, mas reconheceu que ainda há o que fazer e que nem tudo será feito no seu governo. Para Lula, não deveria mais haver discriminação racial, mas isso acontece no mundo inteiro.
- Lamentavelmente, a lei ordena, orienta, mas não consegue mudar os séculos de preconceito que foram construídos, do ponto de vista cultural, na cabeça das pessoas. É quase como uma coisa hereditária, de geração para geração, em que as pessoas ainda têm muitas dificuldades de reconhecer que todos nós somos iguais, não apenas perante Deus, mas iguais perante a Justiça, iguais diante das oportunidades - disse.
Santos também elogiou o trabalho desenvolvido por Matilde, prometeu dar continuidade aos projetos da Seppir, como a política de cotas raciais, a anistia póstuma de João Cândido (líder da Revolta da Chibata em 1910), o estatuto da igualdade racial e o estatuto social quilombola. E afirmou que usará o cartão corporativo segundo as normas.