Título: Chave mestra contra a dengue
Autor: Vasconcellos, Fábio; Mendes, Taís
Fonte: O Globo, 23/02/2008, Rio, p. 18

Projeto de Cabral multa morador que fechar porta a agentes e autoriza entrada à força.

As mudança dos costumes e os novos mecanismos de prevenção de doenças nem de longe lembram o tempo em que a população do Rio foi às ruas, incomodada com as medidas adotadas pelo então diretor-geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, que criou uma lei permitindo invadir e vistoriar casas e construções. Mas, passados 104 anos da Revolta da Vacina, o governador Sérgio Cabral e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, decidiram resgatar lei semelhante, desta vez para combater o mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti. O governador enviará segunda-feira à Alerj um projeto de lei autorizando os agentes de saúde a entrarem, se preciso à força, com a ajuda de chaveiros e policiais, em imóveis abandonados ou naqueles cujos moradores não permitirem a visita. Quem resistir poderá ser multado de R$200 a R$20 mil, dependendo da gravidade do caso e do tipo de imóvel (comercial ou residencial).

Antes, porém, os proprietários serão notificados por um aviso na porta. Quando for detectada situações que permitem a proliferação do mosquito e o morador se recusar a tomar medidas para resolver o problema, a multa poderá chegar a R$200 mil.

No estado, cerca de 40% dos imóveis - 900 mil só na capital - não foram vistoriados porque os agentes não conseguiram entrar nas casas. Nas primeiras cinco semanas deste ano, os casos de dengue no Rio subiram 117%, comparado com o mesmo período de 2007. São 8.486 notificações, sendo 67% na capital. Já foram confirmados dez óbitos, um deles em Caxias.

Bombeiros vão atuar contra mosquitos

O Corpo dos Bombeiros também ajudará na empreitada. A partir de 1º de março, 500 soldados vão vistoriar as casas para tampar caixas d"água e aplicar biolarvicida. Cada bombeiro ganhará pelo trabalho R$500, que serão repassados pelo ministério. Cabral e Temporão justificaram o rigor lembrando que as medidas de atenção básica à saúde, de responsabilidade da prefeitura, não atendem às expectativas.

- O ritmo de vedação de caixas d"água no Rio ano passado foi pífio. Um estudo mostrou que no Rio, em um ano, apenas seis mil caixas d"água foram fechadas, quando o necessário seria cem vezes mais - afirmou Temporão, que considerou "baixíssima" a cobertura do Programa Saúde de Família, coordenado pelo município.

- Não se faz mágica. Se não se cumpre o dever de casa, paga-se por isso. No momento em que você tem uma cidade com menos de 5% de cobertura do Programa Saúde da Família... Então, é evidente que tem conseqüências - disse Cabral.

A prefeitura não quis comentar as críticas. O Rio foi escolhido pelo ministério para anunciar planos de combate à dengue porque 16% dos casos notificados da doença no país ocorreram aqui. Segundo Temporão, os casos de dengue no país caíram 40% no país nas cinco primeiras semanas deste ano, mas, no Rio, duplicou no estado e quase quintuplicou no município. Dos 14 óbitos registrados no país, dez aconteceram na capital.

O projeto de lei do governo que permite que aos agentes de saúde entrarem nas residências pode, no entanto, esbarrar na Justiça. Para o especialista em direito constitucional da OAB Cláudio Pereira de Souza Neto, a proposta é inconstitucional, pois fere o princípio da inviolabilidade do lar. Na sua avaliação, a medida só seria legal num caso: se a residência estiver abandonada.

Para Cabral, no entanto, a proposta é legal, pois o que prevalece é o interesse público:

- O projeto de lei está baseado no pressuposto constitucional que é o interesse da comunidade. É um interesse de saúde pública - defendeu.

Outra medida anunciada ontem é a parceria do ministério e do governo do estado para treinar os profissionais de saúde para o atendimento de pacientes com suspeita de dengue. Um centro de regulação vai coordenar os leitos e CTIs para agilizar as internações. Cabral também estuda incluir aulas sobre a dengue para os alunos da rede estadual de ensino.