Título: Ser credor tem uma importância simbólica
Autor: Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 23/02/2008, Economia, p. 35

Ex-ministro diz que desafio agora é reduzir a dívida interna e prevê obtenção de grau de investimento este ano.

Czar da economia durante o regime militar e hoje um importante interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Delfim Netto diz que o fato de o Brasil ter se tornado um credor externo é positivo, mas garante: o valor é "mais psicológico do que substantivo". Ainda assim, ele aposta que o país obterá grau de investimento até o fim deste ano. Delfim aponta ainda para o desafio de reduzir a dívida pública interna.

Lino Rodrigues

O Brasil se tornou credor externo. Como o senhor avalia essa nova condição?

DELFIM NETTO: É uma questão aritmética. A importância é puramente simbólica. Mas mostra o que vem se dizendo há anos: a dívida externa só podia ser resolvida pelo caminho da exportação. Tivemos uma grande ajuda da expansão da economia mundial.

Mas não representa um alívio para o país?

DELFIM: É claro, mas o efeito é mais psicológico do que substantivo. Vai garantir o nosso grau de investimento.

Alguns economistas dizem que o grau de investimento não viria antes de o governo equacionar o problema da dívida pública interna. O senhor concorda com essa afirmação?

DELFIM: Esse, de fato, é o nosso calcanhar-de-aquiles. Mas o presidente Lula sabe que é preciso reduzir a dívida pública, e vem fazendo isso.

Mas não é um processo ainda muito lento?

DELFIM: É, mas o que interessa é o que o mercado interpreta. Se ele (o mercado) acreditar que a dívida interna será reduzida, já tem o efeito positivo. Nessas horas, a expectativa é mais importante que o fato.

Hoje, a relação dívida interna líquida e Produto Interno Bruto está em torno de 42%. Qual seria a ideal?

DELFIM: O ideal seria uma carga tributária entre 24% e 26% do PIB, e uma dívida interna líquida de 30% a 32% do PIB. Se tivéssemos uma dívida em torno de 56% do PIB, como era em 2002, aí não teríamos nenhuma chance.

A possibilidade de o Brasil passar a grau de investimento ainda este ano o agrada?

DELFIM: Não dou valor importante ao grau de investimento, porque não dou nenhum valor às agências de classificação de risco. Elas deveriam ser também submetidas a um classificador de risco, porque erram mais do que acertam. Mas como o mundo vive de símbolos...