Título: Sarney anuncia que vai se licenciar
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2008, O País, p. 5

Aliados dizem que senador está insatisfeito com tratamento do governo

BRASÍLIA. Às vésperas da instalação da CPI do Cartão Corporativo, o governo Lula ficará sem a atuação de um de seus principais aliados no Senado. O ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) anunciou ontem que pretende se licenciar do mandato de senador por quatro meses para descansar e se dedicar ao livro de memórias. O gesto, no entanto, é interpretado por seus aliados como um sinal claro de insatisfação com o tratamento dispensado a ele por setores do governo e do PT.

A chateação de Sarney começou com o afastamento de Silas Rondeau do Ministério de Minas e Energia, em maio passado, sob suspeita de corrupção. Aumentou com a descoberta de que seu filho mais velho, o empresário Fernando Sarney, foi grampeado pela Polícia Federal, e chegou ao ponto mais alto com os sucessivos vetos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, às suas indicações para a presidência da Eletrobrás.

Sarney tenta disfarçar o desencanto com o governo.

- Estou cansado! Precisando escrever, revisar meu livro de memórias - desconversa.

Interlocutores de Sarney afirmam que ele se sente desconfortável com o que chamaria de "jogo rasteiro" e, por isso, teria feito a opção de se afastar e deixar o governo administrar sozinho o escândalo dos cartões. Ao que tudo indica, a guerra travada entre PT e PMDB pelo setor elétrico deixará seqüelas.

- Essa relação de desconfiança entre PT e PMDB é um grande complicador. O canibalismo praticado pelo PT dificulta o relacionamento da base - adverte o senador Gilvam Borges (PMDB-AP), aliado de Sarney.

Sarney contemporiza:

- Setores do PT têm dificuldade de se adaptar à política de alianças, mas o presidente Lula administra isso muito bem.

PT mostra irritação com avanço do PMDB e do PP

No PT, a irritação da bancada com o avanço do PMDB e do PP no espaço antes monopolizado pelo partido chegará aos ouvidos do presidente Lula. Uma prévia da choradeira aconteceu na segunda-feira, em jantar do ministro das Relações Institucionais, José Múcio, com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e 40 parlamentares do PT.

O tom do desconforto foi dado pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), mas a bancada de Minas era a mais irritada com a demora na nomeação do engenheiro Alan Kardec Pinto para a diretoria de abastecimento da Petrobras. O PP tenta manter no cargo Paulo Roberto Costa. Múcio reconheceu as dificuldades de acomodar todos os aliados nos cargos existentes, mas prometeu que Berzoini e o líder da bancada na Câmara, Maurício Rands (PE), serão recebidos por Lula nos próximos dias.

- O governo não pode, em nome de contentar a base aliada, sacrificar o PT como vem fazendo. Foi a primeira reunião com o ministro depois da derrota da CPMF. Dissemos que tem alguma errada. Que base é essa que ganha tanto e não vota com o governo? - disse o deputado Jilmar Tatto (SP).

- O PT entende que tem de ser flexível. Mas tem de manter seu espaço, porque é o partido do presidente, e é natural que esteja mais próximo de seu programa de governo - disse Maurício Rands. (Adriana Vasconcelos, Gerson Camarotti e Maria Lima)