Título: Fidel diz que sua saída não mudará o regime
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Fonte: O Globo, 23/02/2008, O Mundo, p. 42

No primeiro artigo publicado depois da despedida, ex-presidente de Cuba revela que suspendeu folga por causa dos EUA.

HAVANA. Três dias depois de divulgar sua carta de despedida do poder, Fidel Castro voltou a publicar um artigo, no qual afirma que sua saída da Presidência do país "não provocará mudanças, como espera o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush", e que Washington precisa "alterar sua política de sanções" em relação à ilha. O texto, publicado no jornal oficial "Granma", revela ainda que Fidel se sentia pressionado para continuar à frente do governo e que, depois de tomar a decisão de renunciar, "dormiu como nunca".

"Gostei de ver a postura embaraçosa adotada por todos os candidatos à Presidência americana. Um a um, todos se sentiram obrigados a realizar exigências imediatas sobre Cuba para não correrem o risco de perder um único voto que fosse. Mudança, mudança, mudança! Gritaram em uníssono. Eu concordo, mudança! Mas da parte dos EUA", diz um trecho do artigo.

Texto é assinado pelo "camarada Fidel"

Anteontem à noite, os pré-candidatos democratas à Presidência dos EUA deram destaque a Cuba durante um debate no Texas. Barack Obama chegou a citar que poderia se reunir com o atual presidente do país, Raúl Castro, sem pré-condições.

- Devemos nos reunir não somente com nossos amigos mas também com nossos inimigos - disse Obama.

Já Hillary Clinton, mais prudente, disse que um encontro com líderes de Cuba só deveria ser feito depois que sinais claros de mudanças no regime fosse dados. Por outro lado, o senador John McCain, principal pré-candidato republicano à Presidência, disse esperar que Fidel Castro "vá logo ao encontro de Marx".

Fidel afirmou no artigo que pretendia tirar "alguns dias de folga" depois que anunciou sua aposentadoria, mas os "excessivos comentários", a repercussão internacional e "os apelos por liberdade" obrigaram-no a "abrir fogo" novamente contra seus inimigos ideológicos nos Estados Unidos.

"Anexação, anexação, anexação!, responde o adversário, pois é isso que eles pensam, no fundo, quando falam em mudança. O fim de uma etapa não é a mesma coisa que o início do fim de um sistema insustentável. Eu havia pensado que deixaria de escrever por pelo menos 10 dias, mas não tinha direito a guardar silêncio por tanto tempo. É preciso abrir fogo ideológico contra eles. Escrevi este texto às 15h35m da terça-feira. Revisei o texto no dia seguinte e o entreguei na quinta-feira", diz outro trecho da carta.

O texto foi assinado pelo "camarada Fidel" e não mais, como antes, pelo "comandante-em-chefe". O artigo, intitulado "O que escrevi na terça-feira 19", acrescenta que "o colonialismo e o neocolonialismo de continentes inteiros, de onde extraem energia, matérias-primas e mão-de-obra baratas, desqualificam as potências moralmente".

O líder cubano também criticou as "retraídas potências européias" por aderirem às pressões americanas na defesa de reformas na ilha. Fidel, que continuará a ter poder de veto na qualidade de primeiro secretário do Partido Comunista, afirmou que prosseguirá envolvido na "batalha de idéias" escrevendo artigos.

No texto, Fidel também dá sinais de que, apesar de ter se afastado do poder, continuará sendo uma figura de extrema influência na vida política cubana. Ele afirma que sua próxima etapa será se preparar para escolher os novos líderes do país no domingo: "Agora, me dedico ao esforço de preparar meu voto de chapa para a seleção da presidência da Assembléia Nacional e do novo Conselho de Estado, e de decidir como fazê-lo."

Após 49 anos no poder, Fidel anunciou que não aceitaria ser reeleito pela Assembléia Nacional para o cargo de comandante-em-chefe do país. O Parlamento cubano eleito em janeiro se reúne pela primeira vez no domingo, quando deve confirmar Raúl Castro, irmão de Fidel, como o presidente de Cuba. Aos 81 anos, Fidel não aparece em público desde que, em julho de 2006, submeteu-se a uma cirurgia e entregou o poder temporariamente a Raúl Castro.

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