Título: Cacciola vai contestar até príncipe de Mônaco
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 20/02/2008, Economia, p. 25

Ato, inédito, visa a ganhar tempo para evitar extradição: prisão do principado é melhor que a do Brasil

MÔNACO. Às vésperas da decisão final do Tribunal de Apelações de Mônaco, Salvatore Cacciola - o ex-dono do banco Marka, acusado de um rombo de R$1,5 bilhão nos cofres públicos - instruiu seus advogados: vai contestar até um ato do príncipe Albert II, a quem cabe a última palavra sobre sua extradição.

Se isso acontecer, o ex-banqueiro vai entrar para a história do principado. Ninguém nunca tentou isso antes. A Constituição abre a possibilidade de se contestar um ato administrativo junto ao Supremo Tribunal, que é a instância máxima, composta por cinco juristas, todos franceses e professores universitários. Eles se reúnem algumas vezes por ano. Como a decisão do príncipe sobre a extradição é um ato administrativo, os advogados viram aí uma brecha.

- Cacciola já me indicou que quer acionar esse procedimento. Então, vamos pedir para que se suspenda a extradição até que o Supremo decida - disse o advogado de Mônaco do ex-banqueiro, Frank Michel, que admite que seu caso "é difícil", pela "pressão do governo brasileiro".

A sorte do ex-banqueiro está lançada. O tribunal de Mônaco encerrou ontem as audiências do caso e deverá anunciar sua decisão nos próximos dias. Tecnicamente, o que o tribunal anunciará é uma "recomendação": quem bate o martelo é o príncipe. Ao planejarem um recurso contra a decisão do príncipe, os advogados de Cacciola tentam, na realidade, ganhar tempo. Um recurso no Supremo Tribunal, como disse o advogado de Cacciola, levaria "vários meses" para ser decidido.

Secretário de Justiça do Brasil está "esperançoso"

Cada dia que Cacciola passa na prisão em Mônaco será descontado do tempo de sua pena no Brasil, e o ex-banqueiro diz abertamente a seus advogados que está melhor no principado. Cacciola, italiano naturalizado brasileiro, está foragido do Brasil desde 2000, depois de condenado a 13 anos de prisão pelos crimes de peculato e gestão fraudulenta no Banco Marka, por um desfalque de R$1,5 bilhão nos cofres públicos. Chegou a ficar preso no Brasil, mas obteve um habeas corpus e viajou para a Itália. Ele foi preso em Mônaco quando passeava com a namorada.

O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, que está em Mônaco acompanhando o caso, minimizou as manobras dos advogados de Cacciola, dizendo que são mais uma "chicana jurídica". O processo, técnica e formalmente, está impecável. Todos os argumentos da defesa, até agora, caíram, segundo ele.

- O amplo direito de defesa é respeitado, e a gente torce que eles possam só recorrer sempre.

Tuma Júnior está confiante de que vai trazer de Mônaco um trunfo:

- Superamos uma fase importante. Estou tranqüilo. Estou esperançoso que saia a extradição e a gente acabe com essa impunidade.

A dúvida do secretário é se ele fica ainda alguns dias em Mônaco na esperança de que a decisão saia rápido, e ele possa não apenas anunciá-la, como preparar a volta de Cacciola ao Brasil. Como Mônaco não tem aeroporto, há uma série de formalidades a serem decididas: autorização dos países por onde ele transitará, escolha da companhia aérea etc.

Advogado, sobre Cacciola: "Ele não fez nada"

Ontem, durante as quase três horas de audiência, a defesa consumiu a maior parte do tempo, na sua última tentativa para impedir a extradição. Frank Michel chegou ao tribunal com duas pastas contendo cerca de 50 documentos, para sustentar o principal argumento: de que houve "irregularidades" no julgamento de Cacciola. Michel disse que apresentou provas de que seu cliente não enriqueceu desviando para si R$13 milhões, como sustenta o julgamento no Brasil. Esse dinheiro, diz o advogado, foi utilizado para pagar os credores na liquidação do Marka.

- Ele (Cacciola) não fez nada... Não enriqueceu pessoalmente. Não fez nada além de se beneficiar de uma decisão do Banco Central (que na época liberou os recursos para salvar o Marka). É uma condenação política - disse.