Título: Festa estrangeira no Oscar
Autor: Fonseca, Rodrigo
Fonte: O Globo, 26/02/2008, Segundo Caderno, p. 1

Pela segunda vez na história do prêmio, quatro atores não-americanos levam a estatueta dourada para casa.

Na noite em que ¿Onde os fracos não têm vez¿, de Joel e Ethan Coen, tornou-se o 80º ganhador do Oscar de melhor filme, dois ingleses (Daniel Day-Lewis e Tilda Swinton), um espanhol (Javier Bardem) e uma francesa (Marion Cotillard) repetiram um feito que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood só testemunhou há 43 anos. Anteontem, na cerimônia realizada no Teatro Kodak, em Los Angeles, quatro atores não-americanos ganharam a cobiçada estatueta, deixando para trás uma nata de intérpretes dos EUA. Foi a segunda vez em que houve um resultado assim em toda a história do prêmio. Antes deles, na premiação de 1965, o feito foi protagonizado por uma elite britânica ¿ Rex Harrison (¿My fair lady¿), Julie Andrews (¿Mary Poppins¿) e Peter Ustinov (¿Topkapi¿) ¿ e pela russa radicada no Canadá Lila Kedrova (pelo clássico ¿Zorba, o grego¿). Mas lembre-se de que, já no primeiro Oscar, em 1929, um astro estrangeiro foi contemplado: o suíço Emil Jannings ganhou como melhor ator por dois filmes, ¿O último comando¿ e ¿Tentação da carne¿.

No domingo, um clima de ¿Hã?¿ tomou conta do Oscar 2008 quando a londrina Katherine Matilda Swinton (a Bruxa Branca de ¿Crônicas de Nárnia¿) foi anunciada como a vencedora da categoria melhor atriz coadjuvante. O resultado foi o mais surpreendente da noite. Sua atuação em ¿Conduta de risco¿ já havia sido festejada pela crítica, mas tudo indicava que a vitória seria da americana Ruby Dee (¿O gângster¿) ou da australiana Cate Blanchett (¿Não estou lá¿). Nem Tilda, que dedicou a estatueta a seu agente nos EUA, acreditou. Também foi inesperado o momento em que Forest Whitaker leu o nome de Marion Cotillard como complemento da frase ¿And the Oscar goes to...¿ no quesito melhor atriz. Ela venceu por sua interpretação da cantora Edith Piaf (1915-1963).

No Iraque, tropa anuncia o Oscar para ¿Freeheld¿

Na competição, o favoritismo era de Julie Christie, pelo papel de uma portadora de mal de Alzheimer em ¿Longe dela¿. Ellen Page, a jovem grávida do fenômeno de bilheteria ¿Juno¿ (que ganhou o prêmio de roteiro original), também estava forte no páreo. Mas o trabalho de Marion em ¿Piaf ¿ Um hino ao amor¿, na recriação do maior rouxinol do cancioneiro romântico francês, impressionou mais os votantes da Academia. Com o resultado de ontem, ela amplia a lista de ganhadoras européias na categoria melhor atriz, que reúne estrelas como as francesas Claudette Colbert e Simone Signoret (que nasceu na Alemanha, mas cresceu na França), a sueca Ingrid Bergman, a alemã Luise Rainer e as italianas Anna Magnani e Sophia Loren. Some ainda 11 ganhadoras inglesas: Vivien Leigh, Joan Fontaine, Greer Garson, Audrey Hepburn (britânica de origem, mas belga de nascença), duas Julies (Andrews e Christie), Elizabeth Taylor, Maggie Smith, Glenda Jackson, Emma Thompson e Helen Mirren.

Um tom de ¿Como assim?¿ parecido com os espantos causados pelos Oscars femininos só veio quando Tom Hanks chamou uma tropa de soldados americanos para revelar o ganhador na categoria melhor curta-metragem documental. O vencedor foi ¿Freeheld¿, de Cynthia Wade e Vanessa Roth, sobre uma policial lésbica que luta para deixar sua pensão para sua companheira. Mas a perplexidade causada pelo gesto mais político de toda a cerimônia ¿ reação ao número de documentários em concurso que discutia as campanhas militares dos EUA ¿ dispersou a atenção sob o prêmio.

Já entre as estatuetas dadas aos atores, não houve reações espantadas. Tanto Javier Bardem quanto Daniel Day-Lewis eram barbadas. Agraciado com um beijo de sua mãe, a veterana atriz espanhola Pilar Bardem, antes de buscar o Oscar de melhor coadjuvante, Javier recebeu o primeiro dos quatro prêmios de ¿Onde os fracos não têm vez¿. Faroeste contemporâneo, o longa-metragem rendeu ainda duas láureas aos irmãos Coen: de direção e roteiro adaptado. A base do longa foi o romance ¿Onde os velhos não têm vez¿, do consagrado escritor Cormac McCarthy, presente à premiação e elogiado no palco quando o produtor Scott Rudin recebeu o prêmio de melhor filme.

A ¿rainha¿ Helen Mirren premiou Day-Lewis

Depois do longa dos Coen, o filme com o maior número de vitórias, todas em categorias técnicas, foi ¿O ultimato Bourne¿, de Paul Greengrass, terceiro de uma franquia milionária cujo quarto episódio acaba de ser assegurado. Com oito indicações, assim como ¿Onde os fracos...¿, ¿Sangue negro¿ se limitou a ganhar dois Oscars. Recebeu o de melhor fotografia (para Robert Elswit) e a esperadíssima estatueta de melhor ator para o londrino Day-Lewis, entregue a ele por Helen Mirren, premiada em 2007 por ¿A rainha¿. Acompanhado pela mulher, a cineasta Rebecca Miller (filha do dramaturgo Arthur Miller) e pelo diretor Paul Thomas Anderson, Day-Lewis, que já havia sido oscarizado em 1989, por ¿Meu pé esquerdo¿, brincou:

¿ Obrigado aos membros da Academia que me presentearam com a clava mais bonita da cidade ¿ disse, referindo-se ao formato de cetro do prêmio que todos em Hollywood querem chamar de seu.

DESFILE (QUASE) SEM ESCORREGÕES, na página. 4

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