Título: ONG recebe verba antes de funcionar
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 26/02/2008, O País, p. 3

Entidade deu como endereço os fundos de uma casa em Guarulhos; moradores desconhecem.

SÃO PAULO. Na Rua Mombaça, periferia de Guarulhos, em São Paulo, ninguém escutou falar do Instituto Inesp Treinamento. Mas é lá, nos fundos de uma casa simples, onde uma família mora de aluguel, que durante oito anos teria funcionado o Inesp, entidade que assinou, em 28 de dezembro passado, convênio de R$5,5 milhões com o Ministério do Trabalho para qualificação profissional de 2.500 jovens. No fundo do terreno há um quarto fechado onde estariam amontoadas carteiras e cadeiras escolares, segundo moradores da casa.

- Moro aqui há anos e nunca soube que funcionava uma empresa ou uma escola. Sei que tem esse quarto, essas carteiras, mas não funciona nada ali, não - disse ao GLOBO, na sexta-feira, dona Valéria, que vive no local há pelo menos três anos com a mãe, a irmã e a filha. Ela não quis dizer o sobrenome.

O Inesp é uma das 16 entidades próximas ao PDT e beneficiadas com verbas do ministério comandado por Carlos Lupi, também presidente nacional do partido. De R$158 milhões em convênios autorizados pela pasta no apagar das luzes de 2007, pelo menos R$90 milhões foram destinados a 16 entidades cujos dirigentes são parentes, filiados ou doadores de campanha de pessoas ligadas ao partido.

No caso do Inesp, os recursos são divididos entre o que vai diretamente para a entidade (R$4 milhões) e o que é destinado aos alunos, em forma de bolsa (R$1,5 milhão).

Cursos serão ministrados só a partir de abril

Antes de encerrar o ano, o Inesp recebeu R$407 mil referentes à primeira parcela do convênio. Desde janeiro, segundo o presidente da entidade, Osmar Gonçalves, mudou-se para um sobrado de oito cômodos no bairro paulistano da Moóca. E começou a contratar funcionários para que pudesse dar início ao processo de licitação para empresas interessadas em realizar os cursos de capacitação para jovens. O Inesp, que administrará os recursos federais, não oferecerá aulas. Vai terceirizar o serviço.

- Somos obrigados a fazer licitação para escolher as empresas que vão oferecer cursos, lanches e as apostilas - explicou Gonçalves, lembrando que a fiscalização dos cursos caberá ao Ministério do Trabalho.

Perguntado pelo GLOBO, ele disse que a entidade funcionava, sim, no quartinho em Guarulhos - mesmo que os moradores do lugar nunca tenham ouvido falar da ONG.

Com os R$407 mil em caixa, os cursos serão ministrados só a partir de abril. Até lá, explica o empresário, o instituto fará pregões para determinar as empresas que farão parte do chamado consórcio da juventude. O GLOBO esteve em Guarulhos na sexta-feira. Ontem, na Moóca, foram realizados os primeiros pregões, enquanto funcionários arrumavam o local.

Gonçalves nega ligações com o PDT e o Instituto de Pesquisa e Educação DataBrasil, que foi beneficiado com um convênio de R$14 milhões e funciona dentro do prédio onde está a Força Sindical, presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, líder do PDT em São Paulo.

Gonçalves disse ontem que o Inesp e o DataBrasil são "concorrentes". Mas, em 12 de dezembro de 2005, o DataBrasil registrou num cartório em Guarulhos documento em que atesta a capacidade técnica do Inesp.

Gonçalves é dono de uma escola de qualificação profissional particular, em Guarulhos que também se chama Inesp. Ele afirma que a escola não será beneficiada com os recursos federais.