Título: Dengue ataca crianças
Autor: Merola, Ediane; Miranda, Simone
Fonte: O Globo, 26/02/2008, Rio, p. 14

Menino é 14º paciente a morrer no estado; na cidade, das 12 vítimas, nove têm até 15 anos.

A dengue causou ontem de manhã a 14ª morte no estado este ano. A vítima foi um menino de 6 anos, morador de Realengo, que estava internado desde domingo no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes. José Maria da Conceição agora faz parte de uma triste estatística: dos 12 mortos desde o início do ano no município do Rio, nove são crianças e adolescentes, entre 2 e 15 anos. Sete deles tiveram dengue hemorrágica, o tipo mais grave da doença. De acordo com a Secretaria municipal de Saúde, a grande ocorrência de casos entre menores ocorre porque a maioria ainda não foi exposta ao vírus 2, atualmente em circulação. Quem já teve dengue do tipo 3, que é a mais comum desde 2002, ao contrair o vírus 2 tem mais chances de desenvolver a forma severa da doença.

Entre as crianças mortas este ano com dengue hemorrágica na cidade, quatro moravam em bairros que têm surto da doença, com incidência de mais de 300 casos para cada cem mil habitantes: um menino e uma menina, ambos de 7 anos, moradores de Benfica; um menino de 7, do Jardim América; e outro de 6, da Gardênia Azul. Os demais óbitos foram em Campo Grande (menino de 2 anos); Guadalupe (jovem de 15); Realengo (menino de 6), Senador Camará (menino de 11) e Inhaúma (menino de 7). As outras vítimas são uma mulher de 82 anos, de Campo Grande; um homem de 23, de Bangu; e uma mulher de 61, moradora de Vigário Geral.

Na área em que José morava, já foram registrados, desde o início do ano, 110 casos da doença. Segundo a família do menino, ele começou a passar mal na última quarta-feira, quando deixou a escola com febre alta. No dia seguinte, um tio o levou até o Posto de Saúde Professor Masao Goto, em Sulacap. Lá, segundo a família, a médica teria desconfiado de dengue e encaminhado o paciente ao PAM de Bangu, para fazer um exame. No fim da tarde, já com o resultado na mão e muitas dores no corpo, o menino voltou à unidade de Sulacap, mas foi liberado em seguida.

- A médica viu o exame e disse que não era dengue. Ela receitou paracetamol e recomendou que, se em 48 horas o José não melhorasse, o melhor era levá-lo diretamente a um hospital grande - lembra a tia do menino, Andréia Carla da Silva.

"Quem errou foi a médica do posto"

Como o estado de saúde de José só piorou, os parentes o levaram, no domingo, ao Carlos Chagas. Já era tarde: o menino morreu na manhã de ontem, menos de duas horas depois, vítima da dengue clássica, que levou a complicações renais.

- Foi só a médica do hospital olhar o exame e o estado do meu sobrinho, para saber que era dengue. Fizeram de tudo para salvá-lo, mas não conseguiram. Quem errou foi a médica do posto - afirma Andréia.

Na comunidade Vila Santo Antônio, em Realengo, onde o menino morava, a vizinhança está com medo. Entre os moradores, dezenas apresentaram os sintomas da doença nas últimas semanas.

Até o início da noite de ontem, a Secretaria municipal de Saúde já havia registrado 7.803 casos da dengue este ano. A partir de sexta-feira, deverá entrar em funcionamento uma central de regulação, coordenada pela Secretaria estadual de Saúde. Serão oferecidas cerca de 250 vagas em hospitais públicos para pacientes com a doença. Segundo a secretaria, foi aumentada a freqüência dos treinamentos dos profissionais da rede municipal, para que eles identifiquem precocemente a doença, impedindo a evolução para um quadro mais grave.

O secretário municipal de Saúde, Jacob Kligerman, disse que dois mil agentes já estão nas ruas, atuando no combate ao mosquito da dengue, e outros 535, já concursados, reforçarão a equipe em breve. Mas, de acordo com o secretário, a população também precisa colaborar:

- Estamos fazendo um trabalho insano. Mas, se a população não ajudar, limpando pneus, tapando caixas d"água, eliminado a água das plantas, será como enxugar gelo.

Um mau exemplo foi flagrado ontem pelo GLOBO em São Conrado. Uma obra inacabada, na Estrada do Joá 102, tem diversas poças, criadouros do mosquito. Segundo vizinhos, o lugar está abandonado há mais de dez anos.

Kligerman disse que, para atuar em áreas de risco (favelas), os agentes sanitários contam com a ajuda de profissionais de 215 equipes do Programa Saúde da Família e de representantes de associações de moradores.

Segundo o secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, José Noronha, nas áreas urbanas do país onde a cobertura do Programa Saúde da Família é satisfatória, os índices de infestação pelo Aedes aegypti são menores. No município do Rio, de acordo com ele, a cobertura é de 7,3%, enquanto a média nacional é de 28%. Em algumas capitais, como Belo Horizonte, o índice é de 72%.

- Como no programa atuam pessoas da comunidade, a dificuldade de combater o mosquito é menor.

Mesmo se esquivando de falar da falta de interesse da prefeitura no projeto do governo federal, Noronha disse que há um acordo na Justiça determinando que o município amplie o Programa Saúde da Família. O documento foi assinado em 2005, após a intervenção do governo federal em hospitais do Rio.

Noronha lembrou que o Ministério da Saúde repassa R$112 milhões por ano para a atenção básica no município do Rio. Se o programa tivesse sido ampliado, segundo ele, o Rio estaria recebendo mais que o dobro.

COLABOROU Célia Costa

* Do Extra