Título: Lula: país deu 'segundo grito de independência'
Autor: Melo, Liana; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 27/02/2008, Economia, p. 31
Presidente diz no Rio que condição de credor externo permite ao Brasil "transitar no mundo de cabeça em pé"
Ao passar pela primeira vez da posição de devedor para credor externo, o país conseguiu dar "seu segundo grito de independência". A afirmação é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve ontem no Rio para inaugurar a fábrica de pneus da Michelin, em Campo Grande, na Zona Oeste. O presidente também visitou as obras da Companhia Siderúrgica do Atlântico, complexo siderúrgico da ThyssenKrupp e da Vale, em Santa Cruz. Na última segunda-feira, o Banco Central divulgou que o Brasil encerrou janeiro com US$203,190 bilhões em ativos no exterior, considerando reservas internacionais, créditos brasileiros no exterior e depósitos dos bancos comerciais em instituições estrangeiras, ao passo que a dívida externa (pública e privada) ficou em US$196,2 bilhões - uma diferença de US$6,983 bilhões.
Animado com os indicadores econômicos, Lula frisou que "preparou a casa" para esse "segundo grito" e lembrou o passo-a-passo seguido pelo governo para chegar lá.
- Duvido que outro presidente tivesse a coragem de fazer o aperto fiscal e monetário que fizemos em 2003 - lembrou Lula, comentando que, "ao gastar a credibilidade política para arrumar a casa", o país pagou a dívida de US$15,9 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Fizemos como a formiguinha", afirma Lula
O acerto de contas, disse, permitiu que o país passasse a "transitar no mundo de cabeça em pé, mas não de nariz em pé":
- Não queremos ser maior ou menor que ninguém, queremos ser respeitados e decidir o que queremos e quando queremos.
Lula explicou que "fizemos como a formiguinha, enquanto alguns cantarolavam nós comprávamos dólares para enfrentar esta e outras crises":
- Quantas vezes o Citibank dizia que sabia o que era bom ou ruim para o Brasil? E tomou na cara US$10 bilhões na atual crise financeira - cutucou o presidente, que veio ao Rio acompanhado dos ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e da Secretaria Especial da Igualdade Racial, Edson Santos.
Corroborando a tese de que o país "entrou na rota do desenvolvimento" e que a inauguração da fábrica da Michelin é um exemplo do otimismo que tomou conta do mundo empresarial, Miguel Jorge disse que o governo está projetando para este ano uma taxa de investimento de 21% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) contra os 18% do terceiro trimestre de 2007.
A fábrica da Michelin, voltada para pneus de mineração e terraplanagem, consumiu investimentos de US$200 milhões e gerou 400 empregos diretos. A unidade terá condições de produzir 40 mil toneladas de pneus por ano.
Antes de inaugurar a fábrica da Michelin, Lula falou para uma platéia de cerca de 9 mil operários no canteiro de obras da Companhia Siderúrgica do Atlântico, um investimento de 3 bilhões da ThyssenKrupp e da Vale, que está empregando 14 mil operários. O presidente exaltou a figura do trabalhador brasileiro, lembrando seus tempos de torneiro mecânico e das assembléias do ABC paulista. Disse que não existe "na face da Terra trabalhador mais versátil e criativo que o brasileiro":
- É o maior patrimônio que podemos oferecer a qualquer investidor. Ouço isso de vários empresários, inclusive alemães, que têm 157 plantas pelo mundo, que o trabalhador brasileiro é o mais criativo e produtivo.
Lula pediu que os diretores da Thyssen levem para a Alemanha a informação de que, em 2010, o Brasil vai ter mais dez universidades federais, 48 extensões universitárias espalhadas pelo interior do país e 214 escolas técnicas profissionalizantes.
- Em 93 anos, os governos só construíram 140 escolas técnicas. É preciso dar ao povo uma profissão. Graças a uma profissão fui o primeiro filho a ter casa, TV e carro. Sem isso, as oportunidades são diminutas - disse o presidente.
Lula diz que voltará para São Bernardo
Lula garantiu que em 2010, quando sair do governo, não vai passar oito meses na Europa dando aula, numa referência indireta ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele garante que voltará para São Bernardo, onde ficará próximo aos sindicatos.
- Não posso errar, tenho consciência disso, porque meus verdadeiros amigos são os trabalhadores brasileiros. Não vou a Paris ou Londres, vou para São Bernardo - disse Lula, que já agendou nova visita ao Rio no dia 31 de março, para ver o início das obras do maior pólo petroquímico da América Latina, em Itaboraí.