Título: Brasília tem plano para aumentar sua influência em Cuba
Autor: Oliveira, Eliane; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 27/02/2008, O Mundo, p. 34
Objetivo do Palácio do Planalto é promover parcerias comerciais, diminuir aos poucos a presença venezuelana e atuar no futuro como mediador entre Havana e Washington
BRASÍLIA e BUENOS AIRES. A sucessão presidencial em Cuba é acompanhada com grande expectativa pelo Palácio do Planalto, que já trabalha com a meta de ampliar a presença do Brasil no país e, em médio prazo, reduzir a influência da Venezuela, hoje o principal parceiro da ilha. Existe a convicção de que não será fácil reduzir a atual dependência de Cuba em relação ao governo do presidente Hugo Chávez: a Venezuela envia 93 mil barris diários de petróleo para o mercado cubano, a um preço solidário. No ano passado, o intercâmbio entre os dois países atingiu cerca de US$3,5 bilhões.
- Até o momento, Raúl Castro ratificou a cooperação com a Venezuela, porque não será fácil para seu governo substituir a ajuda de Chávez da noite para o dia - explicou a professora da Universidade Central da Venezuela e coordenadora do Centro para a Paz e a Integração, Ana Maria San Juan.
Mercado brasileiro é mais atrativo, dizem fontes
Fontes da área diplomática lembram, no entanto, que o próprio governo cubano admite que o mercado brasileiro é bem mais atrativo do que o venezuelano, com economia estável e diversificada. Esse namoro, que deverá resultar em financiamentos da ordem de US$1 bilhão do BNDES a empresas brasileiras que quiserem investir, principalmente, em infra-estrutura no país, já começou.
Segundo uma fonte ligada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora já tenha sido deixado claro várias vezes que o Brasil não pretende ser um "facilitador" ou ter qualquer ingerência política em Cuba, os brasileiros tendem, naturalmente, a serem vistos como "interlocutores confiáveis" em uma eventual reaproximação entre cubanos e americanos. Esse papel do Brasil como líder na região é bastante apreciado pela Casa Branca.
- Cuba e Estados Unidos não precisam de intermediários, mas temos boas relações tanto com os cubanos quanto com os americanos. A Cuba também interessa ter o Brasil como parceiro estratégico - disse um graduado diplomata brasileiro.
- Se Castro quiser iniciar negociações para suspender o bloqueio americano, a presença da Venezuela vai incomodar e o Brasil poderia aproveitar esse cenário para entrar na jogada. Mas nada vai acontecer antes de 2009 - afirmou Ana Maria San Juan.
O fato é que, para o governo brasileiro e analistas, nada acontecerá antes do fim deste ano, quando será conhecido o novo presidente dos EUA e Raúl Castro, reduzindo as pressões internas por mudanças, comece a trabalhar num processo irreversível de abertura econômica da ilha.
Mas brasileiros e cubanos já vêm trabalhando nessa aproximação desde agosto de 2007, quando o chanceler Pérez Roque esteve no Brasil. Em seguida, o ministro de Desenvolvimento, Miguel Jorge, foi a Cuba acompanhado de 30 empresários. Sem contar as cinco missões da Petrobras que estiveram em Havana desde então.
Aproximação entre os dois países está sendo articulada
O reforço na relação culminou com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva àquele país. Junto com o anúncio de investimentos feito pelo presidente brasileiro, a Petrobras ratificou sua intenção de atuar na exploração de petróleo e gás no Golfo do México junto com o Estado cubano e ainda estuda, com a Cupet, a criação de uma empresa mista para a produção e a comercialização de óleos e lubrificantes na ilha.
Além de financiar infra-estrutura, o Brasil também se prontificou a conceder créditos para a compra de alimentos, modernização e ampliação da fábrica de níquel Ernesto Guevara e aquisição de equipamentos para piscicultura em Cuba.
- A Venezuela preenche o espaço que o México ocupava na época da revolução. O México foi o único país que não rompeu as relações com Cuba naquele momento e passou a oferecer petróleo subsidiado aos cubanos - destacou José Alves Donizete, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Para Donizete, o Brasil e outros países da América Latina vão se beneficiar com a maior inserção de Cuba no comércio internacional. E os cubanos também: contam com mão-de-obra qualificada, barata e saudável, sonho de todo empreiteiro.
- A tendência é de Cuba resistir o quanto possível a uma formalização qualquer com os Estados Unidos, devido ao pendor revolucionário cubano, que é o antiamericanismo, sem se fechar a outros mercados, como o europeu, o latino-americano e o asiático - comentou o cientista político.
Ontem, Raúl Castro teve em Havana seu primeiro encontro diplomático como presidente, com o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone. De acordo com a agência de notícias católica SIR, que tem laços próximos com a Conferência Episcopal Italiana, as autoridades cubanas prometeram a Bertone que a mídia estatal da ilha se abrirá mais para a Igreja.
Segundo fontes ouvidas pela SIR, Bertone teria dito para bispos cubanos que isso significará abertura para a Igreja "na mídia escrita e no rádio e, em casos excepcionais, até na televisão" de Cuba.
- As coisas sempre começam com promessas, mas esperamos que haja alguma abertura, porque nada é impossível - disse Bertone, segundo a agência italiana.