Título: Farc soltam mais quatro reféns
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Fonte: O Globo, 28/02/2008, O Mundo, p. 30

FIM DO CATIVEIRO

Guerrilha colombiana descarta novas libertações se Uribe não desmilitarizar regiões

CARACAS

Por mais de seis anos, eles enfrentaram as duras condições do cativeiro na selva colombiana: doenças, maus-tratos e ameaças de morte. Mas, ontem, pelo menos para quatro reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) o calvário chegou ao fim. Os ex-parlamentares Jorge Eduardo Géchem, Luis Eladio Pérez, Orlando Beltrán e Gloria Polanco foram entregues pelos guerrilheiros a uma missão venezuelana e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). O encontro foi numa clareira, no departamento colombiano de Guaviare - quase a mesma região em que as políticas Clara Rojas e Consuelo González foram libertadas mês passado -, onde pousaram dois helicópteros com o símbolo da Cruz Vermelha. Os reféns, cercados por rebeldes vestidos com uniforme de camuflagem, desceram de uma pequena colina para se encontrar com a comitiva.

- Eu estava morta em vida, mas vocês vieram por nossa causa e estou feliz. Muito obrigada por este gesto de humanidade. Aqui está uma colombiana que não sabia se ia viver, se teria a oportunidade de voltar a ver os três filhos - disse, chorando, Gloria, que agradeceu efusivamente à senadora colombiana Piedad Córdoba, que integrou a comitiva, ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e à Cruz Vermelha.

Dos quatro, Géchem era quem parecia ter a saúde mais debilitada. Muito magro, ele afirmou com voz fraca que é preciso continuar lutando pela libertação de todos os reféns. Numa carta enviada à família do cativeiro, ele contara ter sofrido sete princípios de infarte. Assim como Gloria, Beltrán agradeceu a Chávez e destacou que eles foram libertados "praticamente da morte". Pérez, por sua vez, comparou seu período no cativeiro à tortura. A entrega dos reféns representa uma importante vitória diplomática para Chávez, cuja mediação foi desautorizada pelo presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, ano passado.

Os reféns se despediram com apertos de mãos e abraços dos guerrilheiros. Eles foram entregues a Piedad e ao ministro venezuelano do Interior, Ramón Rodríguez Chacín, que tinha as coordenadas do local da libertação. Completaram a missão quatro delegados da Cruz Vermelha, dois médicos venezuelanos e um cinegrafista da Telesur. Chacín chamou os guerrilheiros de "camaradas" e se despediu com abraços e sorrisos. De lá, seguiram para uma base em Santo Domingo, em Táchira, já na Venezuela, onde embarcaram num avião para Caracas. No aeroporto de Maiquetía, as famílias invadiram a pista logo após o pouso.

- Nós também voltamos a viver porque, de uma forma ou de outra, também estávamos seqüestrados com ela. Hoje nossa alma voltou ao corpo - disse Juan Sebastián Losada Polanco, filho de Gloria, que esperava a mãe com flores.

Bogotá recusa exigência

As famílias se abraçaram, e Gloria foi rodeada pelos três filhos. Depois, eles foram ao palácio presidencial, onde foram recebidos por Chávez.

Completou-se assim a segunda - e última - entrega unilateral de reféns pelas Farc a Chávez, no que foi descrito pela guerrilha como um agradecimento "por seu trabalho a favor da paz". Simultaneamente, as Farc emitiram um comunicado descartando novas libertações unilaterais e reiterando a necessidade de desmilitarizar por 45 dias os municípios de Pradera e Florida para a retomada da negociação para a troca de 40 reféns por 500 rebeldes presos. "Esta libertação é a mais contundente manifestação de que pode mais a humanidade do que a intransigência", disse o grupo. O governo colombiano, no entanto, deixou claro que não desmilitarizará o território.

- Está claro para nós que não podemos retirar a força pública de dois municípios e deixar 114 mil pessoas que vivem nessa região sob o controle total das Farc - disse o comissário para a Paz, Luis Carlos Restrepo.

O governo brasileiro recebeu com "grande satisfação" a notícia da libertação, e felicitou Uribe e Chávez "pelas medidas que possibilitaram a entrega dos reféns". A libertação também foi bem recebida por países como EUA e França, que pediram que os demais reféns sejam soltos. O representante para Política Externa da União Européia, Javier Solana, manifestou sua "satisfação e emoção". Já a Anistia Internacional pediu a libertação imediata de todos os cativos. O Comitê de Apoio a Ingrid Betancourt expressou sua "alegria" e pediu com urgência que se negocie um acordo humanitário para que outros seqüestrados - como a ex-senadora - sejam soltos. Com a libertação de Gloria Polanco, Ingrid passa a ser a última mulher refém política das Farc.