Título: Mortes de militares sob suspeita
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 28/02/2008, O Mundo, p. 32
Para Avós de Maio, pode estar havendo queima de arquivo de crimes da ditadura
BUENOS AIRES. O suposto suicídio do tenente-coronel da reserva Paul Alberto Navone, na segunda-feira, acendeu uma luz de alerta nas organizações de defesa dos direitos humanos da Argentina, que temem o desaparecimento de figuras-chave em julgamentos de crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983). Navone fora intimado a depor pelos tribunais da província de Entre Rios, acusado de participação no roubo dos gêmeos de Raquel Negro, seqüestrada em 1978 em Mar del Plata e que teria dado à luz em 28 de março do mesmo ano, num hospital da cidade de Paraná, província de Entre Rios. Trata-se do terceiro militar envolvido num caso de violação dos direitos humanos que morre durante o processo judicial.
O corpo de Navone foi encontrado nos jardins do hotel da Força Aérea na cidade de Ascochinga, província de Córdoba, onde morava. Em 10 de dezembro passado, o corpo de Héctor Febres, que estava sendo julgado por sua atuação na Escola de Mecânica da Marinha (Esma), principal centro de tortura do governo militar, foi encontrado na sede da Guarda Marinha do município de Tigre, província de Buenos Aires. A necrópsia determinou que Febres fora envenenado. Em janeiro, Néstor León López, ex-chefe da Guarda Marinha processado por crimes da ditadura, apareceu morto num hospital de Buenos Aires.
¿ Me atrevo a duvidar da morte por suicídio deste homem (Navone) porque ele fora intimado a depor, disse que estava doente, a data do depoimento foi adiada e depois acontece isso ¿ declarou a presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto.
Em entrevista ao GLOBO, o advogado das Avós, Luciano Hasan, assegurou que não está descartada ¿a existência de um grupo que esteja eliminando pessoas que têm informações fundamentais para avançar nos processos judiciais¿.
¿ Sabemos que Navone pretendia falar. Não sabemos o que ia dizer, mas ele foi agente de inteligência do Exército, era uma peça importante no julgamento ¿ alega o advogado.
Uruguai anula lei que favorece segredo militar
Familiares e advogados de Navone consideraram absurdas as declarações de Carlotto e asseguraram que o tenente-coronel se suicidou.
¿ As perícias mostraram que Navone tinha pólvora na mão direita e com essa mão ele disparou ¿ afirmou o advogado do militar, Justiniano Martínez.
A preocupação das Avós da Praça de Maio, que nos últimos anos encontraram 88 filhos de presos políticos roubados pelos militares, é compartilhada por familiares e vítimas da ditadura.
¿ Existe um grupo que quer que essas pessoas morram para manter vigente a impunidade ¿ afirmou a deputada Victoria Donda, uma das netas encontradas pelas Avós da Praça de Maio, eleita no ano passado.
Para a deputada, aliada do governo de Cristina Kirchner, ¿existem no país grupos com capacidade logística para fazer este tipo de coisas.¿
¿ O pedido para que a Justiça atue com rapidez não é teimosia ¿ argumenta.
No Uruguai, o governo do presidente Tabaré Vázquez aprovou esta semana um histórico decreto que anulou a lei de ¿segredo profissional militar¿, usada pelos militares para negar-se a declarar sobre crimes da ditadura (1973-1985). O objetivo da medida, segundo explicou a ministra da Defesa, Azucena Berrutti, é ¿liberar a consciência daqueles que querem colaborar e não podem falar porque sua ética militar o impede¿.