Título: Tributária chega ao Congresso
Autor: Beck, Martha; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 29/02/2008, O País, p. 3

NOVA TENTATIVA

Governo prevê fundos de R$10 bilhões; tributaristas dizem que há risco de aumento da carga

Anova proposta de reforma tributária, levada ontem ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, oferece compensações financeiras para os estados da ordem de R$10 bilhões, por meio da criação de novos fundos, que têm o objetivo de conseguir apoio para as mudanças. A proposta cria o IVA Federal (Imposto Sobre Valor Adicionado) e ainda o Novo ICMS - imposto estadual que tem motivado a guerra fiscal entre os estados, que será combatida. Para compensar os estados por eventuais perdas com o novo sistema tributário, o governo propõe a criação do Fundo de Equalização de Receitas (FER) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

Segundo projeções da Fazenda, apenas para o FNDR, os recursos serão de R$9,5 bilhões em 2010 - ano em que a reforma entrará em vigor caso seja aprovada em 2008 - e chegarão a R$14,6 bilhões em 2016. Serão favorecidos por esse fundo os estados de regiões mais pobres - principalmente os nordestinos, que usaram a oferta de isenções fiscais para atrair investimentos, e que poderão sofrer perdas com o fim da guerra fiscal.

O FER, que teria hoje R$2,8 bilhões, vai beneficiar principalmente os estados do Sul e Sudeste, que perderão, no primeiro momento, receitas com o Novo ICMS, que passará a ser cobrado nos estados de destino dos produtos, e não nos de origem, como é hoje.

O novo FNDR chegaria hoje a R$7,3 bilhões, de acordo com números da Fazenda, com base na arrecadação de 2006. Surge como uma proposta de incentivar políticas de redução das desigualdades regionais. A meta do FNDR é que, em 2016, 95% dos recursos sejam destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os restantes 5%, às áreas menos desenvolvidas do Sul e do Sudeste, como o extremo sul do Rio Grande do Sul.

A proposta é uma tentativa de conquistar apoio para a reforma. Mantega disse esperar que a medida seja aprovada ainda em 2008, ano eleitoral. Ainda assim, seus efeitos só começarão em 2010, com transição até 2016 para algumas inovações, em especial a entrada em vigor do Novo ICMS.

Ao apresentar a proposta aos presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), o ministro deixou claro que a redução da contribuição dos empregadores junto ao INSS - de 20% para 14% em seis anos - está vinculada à aprovação da reforma. Mantega voltou a demonstrar otimismo, repetindo que as mudanças do sistema tributário devem garantir maior crescimento econômico ao país:

- O Brasil tem muitos tributos. Queremos reduzir os tributos e pagar um tributo menor também, adotando medidas como a desoneração dos investimentos, o que é importante para aumentar a competitividade do país. A reforma tributária e a desoneração na folha são coisas combinadas.

Governadores manterão poder

Apesar de unificar a legislação do ICMS, tirando a liberdade dos estados de estabelecerem diferentes alíquotas, o governo federal mantém alguns poderes dos governadores, ao estabelecer que o Confaz (Conselho Nacional de Secretários estaduais de Fazenda) ficará com a tarefa de decidir "quais isenções ou incentivos fiscais poderão ser dados, e isso será uniforme em todo o país". As alíquotas do Novo ICMS serão definidas pelo Senado, que apontará uma alíquota-padrão, mas caberá ao Confaz indicar os produtos que entrarão nas demais alíquotas.

Até 2016, haverá uma transição para o novo sistema do ICMS. Para combater qualquer resquício de guerra fiscal entre os estados, a reforma prevê punições, como a suspensão de benefícios fiscais e até o repasse do Fundo de Participação de Estados (FPE). A adoção completa das medidas, se aprovada a reforma, levará anos, porque a maioria das propostas dependerá de leis complementares.

Mantega reafirmou que a reforma tributária será neutra, ou seja, não aumentará a carga tributária. O artigo 10 da emenda diz que lei complementar poderá deixar isso claro e compensar eventuais distorções na implantação do IVA e do Novo ICMS. Mas a exposição de motivos de Mantega entregue aos parlamentares deixa dúvidas. Afirma que "os novos impostos federais passarão a arrecadar mais para suprir as fontes extintas". Garibaldi disse que a proposta pode ser aprovada ainda esse ano, se houver vontade política:

- No primeiro semestre não haverá problema. No segundo, temos ainda condições de trabalhar até o final de agosto. É mais uma questão de vontade política do que de eleição municipal. Mas que o governo possa ordenar a tramitação das MPs, porque com isso não se impede só a reforma.

Risco de aumento de impostos

A proposta foi duramente criticada por tributaristas ouvidos pelo GLOBO, que alertaram para o risco de aumento de impostos. Embora a equipe econômica tenha ressalvado que as mudanças em alíquotas devem ter efeito neutro, os especialistas destacaram que a decisão da União de partilhar contribuições com os estados fará com que alguém "tenha que pagar a conta".

Segundo Ives Gandra, do escritório Advocacia Gandra Martins, o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) federal passará a incluir contribuições como a Cofins, que hoje não são partilhadas com os estados e são destinadas a programas da seguridade social. Com o novo imposto, o governo se compromete a respeitar a vinculação das contribuições sociais e ainda partilhar o bolo com os estados.

- A União vai precisar de mais recursos para honrar esses compromissos. Alguém terá que pagar essa conta - disse Gandra.

- Neste modelo, ninguém garante que não haverá aumento da carga tributária - disse o tributarista e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.

Gandra afirmou que a cobrança do Novo ICMS no destino e a criação de um Fundo de Equalização de Receitas, para compensar estados que terão perdas com as mudanças, terão que contar com recursos da União. Everardo criticou o fato de o IVA federal se tornar um tributo não-cumulativo. Para ele, isso só é vantajoso para as cadeias produtivas longas. No entanto, para setores como o de serviços, com poucas etapas produtivas, a cumulatividade era positiva, disse.

- Quem disse que esse novo sistema simplifica alguma coisa? - disse.

- A primeira coisa que eu vejo é que não há simplificação. É um texto com mais artigos do que toda a Constituição americana - disse Gandra.

Gandra e Maciel criticaram fortemente o fato de a proposta ter dado poder ao Confaz para regulamentar a legislação do novo ICMS. O Senado vai definir as alíquotas em que serão enquadráveis bens e serviços, mas o Confaz poderá definir normas e prazos de recolhimento do imposto.

- Estão passando para o Confaz, formado por um grupo de técnicos, uma competência do Poder Legislativo. É um absurdo - afirmou Maciel.

Com dificuldades políticas para ser o relator da reforma, o deputado e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP) será uma espécie de representante do Planalto na comissão especial que vai analisar a matéria, e o principal conselheiro do provável relator, deputado Sandro Mabel (PR-GO). No núcleo do governo, a preferência era por Palocci. Mas a denúncia do procurador-geral da República acusando-o de quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa acabou tirando as condições políticas de ele assumir o projeto. O nome de Mabel foi referendado por PMDB, PR, PP e PTB, isolando o PT. Os mesmos partidos indicaram Edinho Bez (PMDB-SC) para presidir a comissão especial.