Título: Educação básica tem nota baixa em 33 regiões
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 29/02/2008, Rio, p. 18

Estudo do Rio Como Vamos revela ainda desigualdades entre escolas públicas do asfalto e de favelas na cidade

Renata Formento Aguiar Cabral, de 10 anos, concluiu a 4ª série (atual 5º ano) em 2007 e se destaca entre os colegas. Colecionadora do conceito ¿MB¿ (Muito Bom), porque o ¿O¿ (Ótimo) só voltará a ser usado em avaliações este ano, ela ficou triste quando tirou, em 2006, o único ¿B¿ ao longo de sua vida de estudante. Ao começar as aulas da 5ª série (6º ano) na Escola Municipal de Roma, em Copacabana, Renata já sonha com o ¿O¿ no boletim.

¿ A gente tem que estudar para saber e poder ser alguém na vida ¿ diz Renata, que pretende fazer faculdade de teatro e ser atriz.

¿ O futuro passa pelo aprendizado ¿ complementa Marta Formento Aguiar, mãe da menina. ¿ Com estudo já é difícil conseguir um bom trabalho. Imagine sem.

O conceito ¿O¿, no entanto, está distante da realidade do ensino fundamental no Rio. Estudo feito pelo Movimento Rio Como Vamos (RCV) revela que todas as 33 regiões administrativas da cidade analisadas (a do Complexo do Alemão não foi pesquisada) apresentaram desempenho insatisfatório. Além disso, as desigualdades entre morro e asfalto se mostram claramente quando o assunto é educação básica. O estudo foi apresentado durante reunião do primeiro grupo de trabalho do RCV para discutir as dificuldades das escolas públicas.

O trabalho teve como base dados de 2005 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Os números foram tabulados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (Iets).

`O fracasso na escola tem efeito cumulativo¿

Com variação de 0 a 10, na capital o Ideb para a 4ª série foi de 4,2 para as escolas públicas municipais e de 4 para a rede estadual. Apesar de baixo, o índice das unidades da prefeitura no primeiro segmento do ensino fundamental foi o mais alto dos municípios da Região Metropolitana do Rio (em Mangaratiba, foi de 4,1). Já a média da 8ª série foi de 4 e 2,5, nas escolas municipais e estaduais respectivamente, sendo que a da rede do estado foi a menor da Região Metropolitana, junto com Tanguá.

A Região Administrativa de Copacabana teve o maior Ideb da capital, mesmo assim pouco superior a 5 (5,12 na 4ª série). Os piores índices (na 4ª e na 8ªséries) são de áreas de favelas: Rocinha, Complexo da Maré, Cidade de Deus e Jacarezinho.

¿ Os dados, que revelam a diferença no quadro educacional dos bairros, são importantes na elaboração de políticas públicas. São eles que mostram as regiões que necessitam de mais atenção ¿ observa a economista Roberta Guimarães, do RCV, que participou da reunião realizada no dia 13, na Fecomércio.

O levantamento, acrescenta o economista Alberto de Melo e Souza, da Uerj, mostra ainda que, com o passar dos anos, o desempenho dos alunos piora: os indicadores da 4ª série são mais altos que os da 8ª:

¿ Uma evidência de que o fracasso na escola tem efeito cumulativo, de ano para ano.

Para o economista Maurício Blanco, do Iets, a diferença entre bairros permite um olhar interessante sobre a cidade:

¿ O primeiro IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Rio, com dados de 1991, identificava a Rocinha como o pior bairro no aspecto educacional. No IDH de 2002 foi a mesma coisa, que continuou em 2007. São décadas de descaso com essa região ¿ diz Blanco, outro integrante do grupo de trabalho.

Morador da Rocinha, o motoboy paraibano Adriano da Silva Andrade, de 28 anos, chegou ao Rio há quatro anos sem saber ler e escrever. Por causa do trabalho na roça, não tinha tempo para estudar. Há quase três anos, matriculou-se num colégio, passando a estudar à noite. Adriano chegou à 4ª série. A meta de freqüentar uma faculdade está distante. Mas, se chegar lá, sabe o curso que fará:

¿ Direito. É que os pobres não conhecem seus direitos.

Para o cientista político Simon Schwartzman, como os indicadores já existem, a grande questão é saber o que fazer com eles. Schwartzman observa que o mais importante em relação a dados é fazer comparações.

¿ O Rio é uma das cidades mais ricas do Brasil e está em situação ruim (alcançou, por exemplo, um Ideb na 4ª série menor que Curitiba e Belo Horizonte) ¿ afirma ele, que também participou do debate.

O matemático Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio e do movimento Todos pela Educação, observa que o Ideb fornece riqueza de informações, ao combinar taxa de aprovação com qualidade do ensino. Para ele, atualmente se vive um falso dilema: melhorar a qualidade da educação ou aumentar a taxa de aprovação nas escolas.

¿ O caminho para baixar o índice de repetência é melhorar a qualidade do ensino ¿ afirma Klein, que ressalta a importância de se analisar dados sobre a conclusão dos cursos, pois considera o atraso escolar um problema mais grave do que o acesso ao ensino.

Outro aspecto do sistema educacional carioca criticado pelo matemático são as aulas noturnas. Segundo Klein, jovens devem estudar de dia.

¿ No ensino médio, é preciso diminuir o percentual de aulas noturnas. O aluno que trabalha ainda é minoria ¿ observa ele, para quem seria mais eficaz conjugar ensino com escola profissionalizante.

Ao avaliar as formas de melhorar a qualidade do ensino, a coordenadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Rio e no Espírito Santo, Luciana Phebo, recorda uma experiência bem-sucedida da entidade ao aproveitar dados do Prova Brasil, primeiro estudo em caráter universal das escolas públicas brasileiras:

¿ Procuramos casos de bons indicadores em situações diversas. Constatamos que um diferencial que garantiu bom desempenho foi o papel dos pais no incentivo à educação. Os pais participarem da gestão escolar faz diferença no aprendizado.

`Muitas creches são depósitos de crianças¿

Já a educadora Rosiska Darcy de Oliveira, do RCV e do Instituto de Ação Cultural (Idac), que coordenou o grupo de trabalho, ressalta a importância da educação infantil:

¿ Esse é um ponto cego da educação. A educação infantil é tanto mais necessária quanto há cada vez mais famílias chefiadas por mulheres, que trabalham e não têm a quem confiar os filhos. Muitas creches são depósitos de crianças.

Do grupo participaram ainda a empresária Celina Carpi e a psicóloga Suzana Falcão, do RCV. A economista Roberta Guimarães ressalta que a análise da pesquisa é o primeiro passo de uma longa caminhada:

¿ Gerar o diagnóstico é o começo do trabalho, que permitirá que a sociedade cobre metas dos próximos governos. Priorizar indicadores, sem excluir níveis de ensino, para fixar metas para cada nível é o desafio do grupo de educação.