Título: Contrários à tese do governo federal, executivos descartavam espionagem
Autor: Ordoñez, Ramona; Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 29/02/2008, Economia, p. 30

SIGILO PERFURADO: Lula chegou a considerar o crime "questão de Estado"

Se esse fosse o objetivo, salas com megacomputadores teriam sido o alvo

Desde que foi divulgado o furto dos equipamentos da Petrobras, especialistas e executivos do setor petrolífero acreditavam em crime comum, não espionagem industrial. Isso porque o furto foi grotesco, com violação de cadeados e lacres. Em caso de espionagem no setor, que movimenta diariamente bilhões de dólares, o furto teria sido mais sofisticado, argumentavam.

Ex-funcionário da Petrobras e atual professor da Coppe/UFRJ, o geólogo Giuseppe Baccocoli comentou que, se o objetivo fosse a espionagem industrial, o foco não seriam os notebooks ou HDs furtados, e sim as informações em si. Nesse caso, seriam visadas as chamadas work stations, estações de interpretação de dados nas quais possantes computadores processam informações de perfuração de poços, por exemplo. Há uma work station na sede da Petrobras, no Rio, e outras em lugares estratégicos como a unidade da estatal em Macaé.

Apesar da opinião dos especialistas, foram muitas as versões desencontradas divulgadas por órgãos públicos e integrantes do próprio governo sobre o caso. Quando confirmado o primeiro furto de equipamentos em um contêiner, em 14 de fevereiro, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou que "os indícios parecem indicar que se trata de espionagem industrial". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou o furto "questão de Estado". E o ministro da Justiça, Tarso Genro, apressou-se em dizer que outros países poderiam estar envolvidos.

Nos bastidores, Abin e PF travaram queda-de-braço

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) endossou a tese de espionagem industrial, o que contribuiria para ampliar seu poder de investigação. Há um projeto do Gabinete de Segurança Institucional de estender à agência o direito de também fazer escutas telefônicas em casos de terrorismo, sabotagem e espionagem em áreas estratégicas, como permitido hoje à Polícia Federal.

Na queda-de-braço que travaram com a Abin, policiais da PF que participavam da investigação apontavam indícios de furto comum. Por isso, causou estranheza a quem acompanhava o caso a declaração do superintendente da PF no Rio, Valdinho Jacinto Caetano, no último dia 19, de que tal hipótese estava descartada.

- Quando é roubo comum leva-se o computador inteiro, não um HD. Quem procura um HD procura informação nele contida, o que nos leva a descartar a hipótese de roubo comum - afirmara Caetano.

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, chegou a dizer que não existiam dados nos computadores, para mais tarde confirmar que havia informações sobre o campo de gás Júpiter, na Bacia de Santos.

Circulou ainda a versão de que o furto estaria sendo "usado" por defensores do monopólio de recursos petrolíferos para suspender os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ou ao menos retirar das próximas licitações os recém-descobertos campos de Tupi e Júpiter, que proporcionariam auto-suficiência em gás ao país. (Colaborou Antônio Werneck)