Título: Sarkozy quer buscar Ingrid na selva
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Fonte: O Globo, 29/02/2008, O Mundo, p. 35

'Não podemos esperar mais. É questão de vida ou morte', afirma presidente

Alibertação de quatro ex-parlamentares que eram mantidos em cativeiro pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) trouxe detalhes sobre os maus-tratos infligidos aos reféns e, em especial, sobre a situação da ex-senadora Ingrid Betancourt, seqüestrada há seis anos e muito doente. Depoimentos dramáticos do ex-senador Luis Eladio Pérez, com quem ela tentou fugir, levaram o governo francês a dizer que "a vida de Ingrid é questão de semanas" e o presidente Nicolas Sarkozy a se oferecer para ir até a selva resgatá-la.

- Irei pessoalmente à fronteira entre Venezuela e Colômbia para receber Ingrid se essa for a condição das Farc. Não podemos esperar mais. É uma questão de vida ou de morte - disse Sarkozy, em viagem à África do Sul.

Pérez, que voltou à liberdade após mais de seis anos seqüestrado, foi libertado com Gloria Polanco, Orlando Beltrán e Jorge Géchem, entregues na quarta-feira a uma missão venezuelana na selva colombiana. Ele contou que as condições do cativeiro são "as mesmas de um campo de concentração" e que os guerrilheiros maltratam Ingrid por atos de rebeldia. A situação piorou após a tentativa de fuga, que fracassou após cinco dias na selva.

Segundo Pérez, Ingrid o convenceu sobre a fuga, adiada vários dias, até que os guerrilheiros começaram a cercar o acampamento com arame farpado e eles decidiram não esperar mais. Eles sobreviveram com alguns pacotes de biscoito que esconderam nos dias anteriores à fuga, meia panela (açúcar em bloco) e peixe cru. Tinham que atravessar rios e enfrentaram o frio, com a roupa molhada.

- Eu falhei. Falhei diante da magnitude da capacidade de Ingrid para enfrentar as situações - disse Pérez.

Era ela quem pescava, e Pérez, que é diabético, adoeceu. Eles acabaram se entregando à guerrilha. Na volta, foram acorrentados a árvores e tiveram as botas confiscadas como punição.

- A situação se tornou muito complicada e gerou uma situação de maus-tratos permanentes. Uma adversidade tremenda (contra Ingrid), que se mantém.

De outra vez, a guerrilha levou os reféns a crerem que o policial John Frank Pinchao, que havia fugido, tinha sido engolido por uma jibóia. Ele escapara do acampamento e após uma caminhada de 17 dias chegou a Pacoa, no departamento de Vaupés, na fronteira com Brasil. Pérez e Ingrid chegaram a rezar por Pinchao.

Remédio brasileiro no cativeiro

O relato de Pérez mostra a movimentação das Farc pela fronteira com Brasil, Equador, Peru e Venezuela, e que suprimentos vêm desses países.

- Dormi no Equador. Usávamos botas equatorianas, desodorantes e remédios brasileiros, sabões venezuelanos. Estive nas fronteiras com Peru, Equador, Brasil e Venezuela.

No dia 4, ele conseguiu ver Ingrid por minutos durante uma caminhada. Mesmo debilitada fisicamente, ela conseguiu lhe entregar escondido "coisinhas" para sua família, como um cinto para a filha.

- Tirou o cinto que havia tecido com muito esforço para que eu o entregasse a Mélanie.

Depois, despediram-se com "uma emoção muito grande". Ao ser afastada, gritou que tentava se recuperar com cálcio e vitaminas que estava recebendo da guerrilha. Segundo relatos, Ingrid sofre de hepatite crônica.

- Me disse: "Aproveite, aproveite cada minuto de liberdade, Lucho."

Pérez disse que, para as Farc, "Ingrid é um botim de ouro nesse processo desgraçado" e que no caso dela é preciso "correr contra o tempo".

Cartas de reféns foram confiscadas

O depoimento de Pérez sobre Ingrid levou Sarkozy a pedir ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que "use toda a sua influência para salvar a vida de Ingrid", que também tem nacionalidade francesa. Mais cedo, o primeiro-ministro francês, François Fillon, dissera que a vida de Ingrid era "provavelmente uma questão de semanas".

- Apelo às Farc a liberá-la imediatamente. Não podem deixar esta mulher morrer - disse Sarkozy.

Na Colômbia e na França, a família de Ingrid implorou por sua liberdade. Em Paris, o filho de Ingrid, Lorenzo, pediu ajuda à comunidade internacional.

- Minha mãe, a pessoa que mais amo no mundo, está morrendo. Estamos numa situação de emergência.

Pérez trazia também escondidas cartas de três reféns americanos, com quem dividiu o cativeiro nos últimos meses, mas elas foram confiscadas durante uma revista. Elas eram para o presidente dos EUA, George W. Bush; para os candidatos à Casa Branca, John McCain e Barack Obama; e para a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi. Os três ainda sofrem as conseqüências do acidente quando seu avião foi abatido, como dores e lesões na coluna, além de doenças contraídas na selva.

Os ex-reféns passaram a primeira noite livres num hotel de Caracas, depois de se reunirem com Chávez. Após a reunião, Chávez disse ter obtido compromisso de Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Espanha, Suíça e França para formar um grupo para tratar da questão, "mas (o presidente da Colômbia, Alvaro) Uribe não quer".

Uribe felicitou as famílias dos reféns e convidou as Farc a "buscar um caminho de reconciliação". O governo colombiano não pretende desmilitarizar os dois municípios que as Farc exigem para a troca humanitária. A guerrilha, por sua vez, disse que as libertações unilaterais acabaram. Com isso, as negociações para uma troca de 40 reféns por 500 presos parecem ter voltado à estaca zero.

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No cativeiro, o luto de Gloria Polanco

Ao saber pelo rádio do assassinato do marido, ex-deputada chorou por um mês

BOGOTÁ. A ex-deputada Gloria Polanco de Losada, libertada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na quarta-feira, disse que nenhum momento que passou no cativeiro foi tão difícil quanto a hora em que soube do assassinato de seu marido, o ex-senador Jaime Losada Perdomo.

- Dei um grito e disse: "Eles o mataram". Mas não pude dizer nada mais - disse Gloria à rádio colombiana Caracol, acrescentando que não conseguia parar de chorar por quase um mês e que mal podia comer.

Era o dia 3 de dezembro de 2005. Reféns e rebeldes haviam feito uma longa caminhada, e o comandante do acampamento havia avisado que eles voltariam a marchar de madrugada. Naquela noite, Alan Jara - ex-governador do departamento de Meta e que continua como refém da guerrilha colombiana - escutava o programa "As vozes do seqüestro", no qual parentes enviam mensagens aos cativos pela Rádio Caracol. Do local onde estava, Jara gritou:

- Gloria, Jaime!

A princípio, a ex-deputada pensou que se tratava de uma mensagem do marido. Mas Jara se aproximou e disse que ele havia sido alvo de um atentado das Farc. Ela perguntou o que acontecera, e Jara lhe deu a notícia.

- Tínhamos que partir muito cedo, mas passei a noite chorando. Um guerrilheiro se aproximou e me deu uma vela e um isqueiro. E assim pude chorar sob a luz de uma vela - contou, chorando, à rádio.

Gloria contou que caminhou todo o tempo chorando, apesar dos esforços dos companheiros e mesmo dos guerrilheiros para acalmá-la e para que comesse. Pouco a pouco se recuperou, pensando nos três filhos. Gloria fora seqüestrada em 2001 com dois de seus filhos, mas eles foram libertados em 2004, após o marido pagar o resgate. Durante o cativeiro, seu marido a inscreveu como candidata e ela foi eleita deputada.

Ela contou que em sua primeira noite de liberdade dormiu abraçada com os filhos. E uma vez que chegue a sua cidade, Neiva, levará os quatro ramos de flores que recolheu na selva para colocar no túmulo de Jaime.

Fronteira é terra de ninguém

Seqüestros aterrorizam venezuelanos vizinhos à Colômbia

VILLA DEL ROSARIO, Venezuela. Ao ignorar as advertências dos vizinhos, que abandonaram o lugar devido ao alto índice de seqüestros, Eustacio Galindo jogou com a sorte. Ele foi supervisionar a ordenha de suas vacas e encontrou a morte numa fracassada tentativa de seqüestro. Galindo, de 70 anos, morreu no dia 25 de janeiro quando, tentando escapar de seus captores, a caminhonete em que viajava com um filho e um empregado tombou. Ele estava na região que os moradores de Sierra de Perijá, no estado de Zulia, chamam de "terra de ninguém". Segundo a imprensa, desde o início do ano, mais de uma dezena de pessoas foram vítimas de seqüestro em Zulia, das quais apenas seis foram libertadas. Cifras oficiais revelam que, no ano passado, ocorreram 382 seqüestros e 31 das vítimas permanecem em cativeiro. Os seqüestros de 2007 superaram em 48% os de 2006.

Cerca da metade das denúncias de seqüestros no país se concentra nos estados de Zulia, Apure, Táchira e Barinas, que fazem fronteira com a Colômbia. O chefe da polícia judicial, comissário Marcos Chávez, disse que na fronteira há maior incidência porque a região "permite atuar com maior liberdade aqueles que, de alguma maneira, se dedicam ao seqüestro, como, por exemplo, os paramilitares".

Atuação do governo Chávez é alvo de críticas

- Nossa fronteira está tomada por grupos colombianos, guerrilheiros, paramilitares, delinqüentes comuns, crime organizado - disse o veterinário Porfirio Dávila, cujo pai foi seqüestrado há quatro anos e meio por membros do Exército de Libertação Nacional (ELN) em Táchira.

Dávila, que pertence a uma fundação local de vítimas e familiares de seqüestrados, denunciou que esse crime se transformou num negócio altamente lucrativo na Venezuela, e que o governo é "incompetente e preguiçoso" para elucidar os crimes.

A queixa do veterinário se reflete na imprensa venezuelana. O jornal "El Nacional", por exemplo, classificou em editorial o governo de Hugo Chávez de esquizofrênico, pois "se compromete com a libertação de reféns colombianos e, por outro lado, abre a fronteira a grupos armados, como guerrilheiros e paramilitares, para que ataquem camponeses e produtores rurais que trabalham a terra em nosso território".