Título: Uma nova versão para o Ocidente
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 02/03/2008, O Mundo, p. 39
MOSCOU. Se no Ocidente um bom número de países se prontificou rapidamente a reconhecer a independência do Kosovo, a Rússia deixou claro que não pretende aceitar a decisão unilateral da província de se separar da Sérvia. É bem verdade que advoga em causa própria, temendo que o exemplo kosovar desperte movimentos semelhantes em áreas separatistas dentro de suas fronteiras, como na conturbada região da Chechênia. Mas a reação russa, segundo especialistas, vai além da questão territorial interna. O Kremlin, mais uma vez, estaria querendo pôr em evidência a força do país e o peso de sua opinião sobre temas globais.
A nova retórica russa nas disputas com o Ocidente tem feito sucesso com a população. A antiga imagem de grande potência volta a povoar o inconsciente coletivo. Por isso o discurso cada vez mais duro, sobretudo contra os EUA, na questão das bases antimísseis que se planeja instalar nos países da antiga Cortina de Ferro. Na última entrevista coletiva à imprensa nacional e estrangeira, Putin garantiu que a política externa russa não é agressiva, mas destacou que reagirá se forem instaladas bases da Otan e escudos antimísseis dos EUA em países do Leste da Europa.
- Putin sabe ser muito duro quando se trata da defesa dos interesses do país. E por isso é tão popular - disse o jurista e ex-professor de Direito do presidente Valery Mussine.
Embora tenha sido visto como mais moderado pelo Ocidente, Medvedev deve manter a linha atual, como já deu a entender mais de uma vez em discursos recentes. Semana passada, o provável futuro presidente russo esteve na Sérvia para tratar de questões econômicas, mas também para manifestar apoio a Belgrado. Apesar disso, curiosamente, a questão do Kosovo não é considerada tão importante pela população. De acordo com pesquisa recente, 30% são contrários à independência, 15% são favoráveis e outros 55% não sabem opinar sobre o tema.
O vice-presidente do Centro Carnegie de Moscou, Dmitri Trenin, vê pragmatismo nesse discurso mais agressivo.
- O Kremlin não está preocupado com Guantánamo ou Iraque, mas com o que acontece em Geórgia, Ucrânia, Ásia Central, Europa Central. E, neste caso, o antiamericanismo é bastante instrumental. O que a Rússia quer é estabelecer uma relação mais dura com Europa e EUA. Quer mudar o jogo. Está sendo revisionista para mostrar que não aceita a condição de potência derrotada.
Trenin destaca o célebre discurso de Putin em Munique, ano passado, às grandes potências:
- Ele foi muito claro. Aceitem-nos como somos, vamos mudar, mas não é porque vocês querem. Queremos ser tratados como iguais e vamos alcançar compromisso nas áreas de interesse comum, mas façamos como parceiros do mesmo nível - completou.
Medvedev deve ser herdeiro involuntário dessa agressividade diplomática. Caso de fato tenha intimamente a intenção de baixar o tom, é provável que espere algum tempo para que possa fazê-lo. Entretanto, essa suposta propensão conciliadora ainda está por ser comprovada. (V.O.)