Título: Do lixo ao curso de ética
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 01/03/2008, O País, p. 3

DINHEIRO PÚBLICO

Rejeitada por Marina, ONG ambiental consegue convênio de R$10 milhões com Lupi

Após ter pelo menos dois projetos recusados pelo Ministério do Meio Ambiente, a Associação de Proteção do Verde e Meio Ambiente (Avepema) conseguiu firmar convênio de R$10 milhões, no fim do ano passado, com o Ministério do Trabalho para dar cursos de qualificação profissional, como legislação trabalhista e até ética. A Secretaria do Trabalho da cidade de São Paulo, comandada pelo PDT - partido presidido pelo ministro Carlos Lupi -, entrou como responsável pela contrapartida de R$300 mil, permitindo a viabilidade do projeto.

No início de 2007, a Avepema havia tentado sem sucesso, junto ao ministério de Marina Silva, verbas do Fundo Nacional de Meio Ambiente da ordem de R$11 milhões. De acordo com a própria direção da entidade, a idéia era viabilizar projetos como o de reciclagem de sucata, com orçamento de R$8 milhões, e outro para reutilização de água, com proposta de R$3 milhões. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não informou os motivos para a reprovação dos projetos.

Sem dinheiro para o meio ambiente, a entidade procurou, dois meses depois, em março, o Ministério do Trabalho.

- A nossa história começou com defesa do meio ambiente, mas o conceito evoluiu ao longo dos anos. Não dá para pensar em ações mitigadoras só com o plantio de árvores, mas também com outras frentes - disse o diretor da Avepema e coordenador do projeto, Romildo Campello.

Aulas previstas para começar em abril

Em dezembro, a entidade recebeu do ministério comandado pelo ministro Carlos Lupi R$2,8 milhões (referentes à primeira parcela do convênio de dez meses). Como "entidade-âncora", caberá à Avepema contratar instituições para executar cursos que, em princípio, fogem ao objetivo da entidade: história da sociedade, empregabilidade, respeito à diversidade, organização social e política do Brasil e ética, entre outros. As aulas só devem começar em abril.

O convênio com a entidade, que teria atendido aos trâmites legais, prevê a qualificação de cinco mil jovens, e os cursos devem ser realizados na periferia das zonas Sul e Leste da capital paulistana. Segundo a direção da entidade, serão dadas 400 horas/aula durante seis meses - a instituição usa os outros quatro meses para a elaboração de processos licitatórios.

Sobre o fato de a Secretaria Municipal do Trabalho liderada pelo PDT ter participado do processo, a direção da instituição descarta qualquer ingerência política:

- Não temos relação com o PDT ou com a secretaria. Fomos escolhidos pela capacidade técnica da instituição - argumentou o presidente da entidade, Abel Rocha.

Segundo a entidade, a entrada da Secretaria no processo se deu por conta de mudanças de regras já depois da aprovação do projeto.

- No meio do projeto, o ministério mudou a questão da contrapartida, que deixou de ser econômica (oferecimento de infra-estrutura) para ser em dinheiro. Como não tínhamos esse dinheiro, o próprio ministério procurou a Secretaria do Trabalho - disse Campello.

Apresentada como "interveniente" do convênio, a Secretaria do Trabalho libera para a entidade, a título de contrapartida, 5% do valor de cada parcela repassada pelo ministério. O secretário da pasta, Geraldo Vinholi (PDT), descartou viés político na indicação da secretaria.

- Foram eles (o ministério) que nos procuraram indicando a Avepema, e, quando a consulta chegou a nós, fizemos pareceres técnico, jurídico e orçamentário para saber se a entidade estaria em consonância com o nosso trabalho. Os cursos licitados pela entidade serão fiscalizados por nós, mesmo sendo essa uma obrigação do ministério - disse Vinholi, para quem a "tendência ambiental" da entidade poderá ser aplicada em cursos como cidadania, por exemplo.

Criada em 1986 como movimento, a Avepema passou a associação em 2001. Três anos depois, com autorização do Ministério da Justiça, transformou-se em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), cuja finalidade é a de facilitar parcerias e convênios em todos os três níveis de governo e órgãos públicos.

A assessoria do Ministério do Trabalho não respondeu às perguntas do GLOBO sobre o convênio com a Avepema.