Título: Os governos precisam agir rápido
Autor: Kellenberger, Jakob
Fonte: O Globo, 01/03/2008, Opinião, p. 7

Mais de 60 anos depois de as munições cluster terem provocado suas primeiras vítimas civis durante a Segunda Guerra Mundial, há finalmente uma razão para um otimismo: o ano de 2008 representará o fim destas terríveis armas.

Estamos em um movimento mundial em direção à conclusão de um tratado internacional contra o inaceitável preço das mortes de civis geradas por estas armas. Os Estados deveriam aproveitar esta excelente oportunidade para prevenir que o problema se torne ainda pior do que será nas próximas décadas.

A crescente conscientização do público sobre as severas conseqüências humanitárias das munições cluster e a aparente vontade política em tratar este problema nos dão esperança de que os Estados agirão decididamente na adoção de um forte tratado nos próximos meses. Tal oportunidade de prevenir mais mortes e sofrimento não pode ser perdida.

Foi somente na guerra no Sul do Líbano, em 2006, que o mundo finalmente prestou atenção nas terríveis conseqüências das munições cluster. Em somente um mês, estima-se que 37 milhões de metros quadrados de terra tenham sido cobertos com um milhão de submunições cluster que não explodiram. Mais de 200 civis morreram ou foram feridos por tais armas desde que a guerra terminou.

O rastro mortal das munições cluster, geralmente usadas em grandes quantidades, pode continuar por gerações. O Laos, por exemplo, o país mais afetado no mundo, continua lutando para lidar com uma estimativa de 270 milhões de submunições lançadas nos anos 60 e 70. Dezenas de milhares não explodiram e continuam a matar até o dia de hoje.

As características das munições cluster que as fazem atrativas para as forças militares - atacar vários alvos dispersos numa grande área - são aquelas que as fazem tão perigosas para os civis. Algumas munições cluster podem espalhar até 650 submunições sobre uma área que excede os 30 mil metros quadrados. Elas são muito conhecidas por dois aspectos negativos: não são precisas e geralmente não explodem com o impacto, como deveria ser.

A maioria dos danos causados pelas submunições é de civis que são mortos ou feridos quando retornam a suas casas após o fim do conflito, ou que simplesmente estão cuidando das suas atividades diárias. Em países como Afeganistão, Bósnia-Herzegovina, Tajikistão e Vietnã, os civis são vítimas das munições cluster porque não estão cientes dos perigos que elas representam ou porque não têm outra opção a não ser a de trabalhar sobre as áreas contaminadas. As crianças que brincam com estes pequenos explosivos também estão em perigo.

Em mais de 20 países ao redor do mundo, as submunições cluster não detonadas ocupam vastas áreas de terra e são tão perigosas quanto as minas terrestres.

De fato, sem uma ação urgente e acertada, o alto preço de vidas humanas levadas pelas munições cluster pode ser pior do que o das minas terrestres, que agora estão banidas em três quartos do Globo. Bilhões de submunições cluster estão atualmente nos estoques de diversos Estados. Muitos modelos estão velhos, são imprecisos e pouco confiáveis. Mas diferentemente das minas, que estavam nas mãos de praticamente todas as forças armadas, somente 75 Estados possuem munições cluster atualmente. Ainda não é tarde para prevenir o sofrimento humano numa escala potencialmente massiva.

Um número crescente de governos - incluindo Áustria, Bélgica, Hungria e Noruega - já agiu em nível nacional para pôr fim ao uso das munições cluster por parte de suas forças armadas. Outros 130 Estados se uniram sob a "Declaração de Oslo" de fevereiro de 2007, que tem como objetivo a adoção de um tratado em 2008 proibindo as munições cluster que causam danos inaceitáveis aos civis. As Nações Unidas e outras organizações internacionais e não-governamentais também exigiram a conclusão de um tratado até o final deste ano. Os Estados que não se uniram ao "Processo de Oslo" também estão debatendo, no painel da Convenção sobre Certas Armas Convencionais, como mitigar o impacto humanitário dessas armas.

É crucial que os Estados concluam um tratado que proíba as munições cluster imprecisas e não confiáveis. O tratado também deveria cuidar da remoção das armas e da assistência às vítimas. Com o trabalho sobre esse tratado marcado para continuar em reuniões como a realizada em Wellington, Nova Zelândia, no dia 18 de fevereiro, e terminar em Dublin, na Irlanda, em maio, é agora o momento para que os governos traduzam suas expressões de interesse humanitário em compromissos obrigatórios.

JAKOB KELLENBERGER é presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e foi chanceler da Suíça.

É crucial que os Estados concluam um tratado que proíba as munições cluster