Título: As mordomias de um dirigente sindical
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 01/03/2008, O País, p. 8

Presidente da CNTTT, que vive com mais de R$25 mil e leva mulher ao exterior com tudo pago, é acusado de desvio.

BRASÍLIA. O ex-motorista de ônibus Omar José Gomes, que fazia a linha Rio-Caxambu no fim dos anos 70, há muito mudou de vida. Desde que ingressou no sindicalismo, o tempo do dinheiro contado ficou para trás. Passados 30 anos, sua escalada social o levou ao eixo Rio/Londres/Paris/Roma, com passagem por Tóquio, voando de classe executiva. Omar, um senhor de 89 anos, é o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre (CNTTT) há três mandatos, com reeleição certa em maio. Ganha por mês pelo menos R$25 mil. É também o personagem da denúncia de desvio de recursos da entidade, cuja principal fonte de receita é a contribuição sindical paga com um dia do salário de motoristas de ônibus, caminhões e trens.

A denúncia foi entregue semana passada ao Ministério Público do Trabalho, em Brasília, por Paulo Francisco, membro do Conselho Fiscal da CNTTT e presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo. O conselheiro, desafeto da direção que se perpetua no poder, relata com detalhes como Omar e o secretário de Finanças, José Dias Trigo, administram a milionária arrecadação da contribuição sindical destinada à CNTTT.

Como presidente, Omar aprovou ajuda de custo de R$15 mil para si e de R$13 mil para Trigo. A de outros 13 diretores titulares é de R$5 mil, mesmo valor pago aos 15 diretores suplentes. Além disso, três terceiros-suplentes de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas recebem por mês R$3 mil.

- Pela CLT, a ajuda de custo não pode ultrapassar o piso da função, que, no caso de Omar e Trigo, como motoristas, é de R$1.800 - diz Paulo Francisco.

Omar confirma:

- É verdade. A CLT dizia isso. Mas, como motorista, trabalhava só oito horas por dia. Como dirigente, trabalho dia e noite, andando de avião para baixo e para cima tomando susto.

"Levei de fato minha mulher a Portugal. A entidade pagou"

A denúncia do conselheiro trata ainda das viagens internacionais de Omar, sua mulher e secretária. Às custas da CNTTT, Omar e a esposa, Maria da Conceição, foram duas vezes a Portugal, em classe executiva. Ele confirma:

- Da primeira vez fui agradecer à Virgem de Fátima pelos meus 80 anos. Da segunda vez, levei minha mulher para conhecer parte da família dela. Mas aproveitei para fazer contato com dirigentes sindicais. Se me perguntar se paguei do meu bolso, não vou mentir. Quem pagou foi a entidade.

A denúncia também mostra a relação da CNTTT com outras entidades sindicais, e o repasse de dinheiro da confederação a federações e sindicatos a título de empréstimo, depois transformados em doações. Além dos R$15 mil da CNTTT, Omar recebe R$6 mil como tesoureiro da Federação Interestadual do Transporte Rodoviário do Rio, onde mora.

Lá também empregou a mulher, com salário de R$5 mil. Completa o orçamento do casal uma aposentadoria como vogal do Tribunal Regional do Trabalho do Rio, de R$4,6 mil. Como vice-presidente da recém-criada Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que dividirá com outras centrais o total de R$1 milhão assim que sair a legalização, trabalha de graça. Trigo é também presidente da Federação dos Transportes de Carga de São Paulo. A federação conseguiu empréstimo de R$60 mil da CNTTT, da qual é secretário de Finanças.

Mesmo com o voto contrário de Paulo Francisco, um dos três conselheiros fiscais, o empréstimo foi depois transformado em doação. Ex-motorista, Trigo, um dos acusados de enriquecimento ilícito na denúncia, é dono de uma concessionária de carros importados em São Vicente (SP), a Trigo Veículos Imports.

- Esse Paulo é um palhaço! Tem 32 anos com nós (sic) e agora resolveu botar a boca no trombone. É pura inveja, fofoca, porque foi colocado para fora da chapa. Só do Tribunal (TRT-SP) eu recebo R$24.430. Trabalho noite e dia sem parar, e as contas da confederação foram aprovadas - defende-se Trigo.

Como esse empréstimo-doação para a federação dirigida por Trigo, dezenas de repasses nunca foram devolvidos. O Sindicato dos Rodoviários de São Paulo recebeu R$200 mil; o Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da Zona Sorocabana, outros R$200 mil. Um empréstimo de R$10 mil foi feito a um contador para que comprasse um carro Marea da própria CNTTT.

Com tantos cargos de direção sindical no Brasil, ainda sobrou tempo para que, por oito anos, Omar Gomes exercesse a função de conselheiro da Internacional Transport Federation (ITF), com sede em Londres. Lá não recebia ajuda de custo. Coube à CNTTT o custeio de suas viagens anuais, acompanhado da mulher. E, numa das vezes em que aproveitou para conhecer também Roma e Paris, levou como intérprete a secretária de Trigo na federação, Donatila Rocha. Numa reunião da ITF em Tóquio, também levou a mulher e, por recomendação da agência de viagens da CNTTT em Brasília, contratou uma intérprete.

Para se justificar, a direção da confederação entregou notas fiscais confirmando ser praxe diretores levarem mulher e filhos em viagens, tudo aprovado pelo conselho fiscal. O próprio denunciante viajou com a mulher para Salvador, onde todos os dirigentes sindicais ficaram hospedados no luxuoso Bahia Othon e, para Brasília, onde o casal se hospedou no Meliá.

- É praxe que diretores levem esposas e filhos para essas viagens. A entidade paga o custo - disse a contadora Jeane.