Título: Sua intervenção humanitária era uma unção esperada , nas horas extremas
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 03/03/2008, O País, p. 5

Atuação de Dom Eugenio causa surpresa e provoca elogios da esquerda.

BRASÍLIA, RIO e BUENOS AIRES. Vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra disse ontem que as ações de Dom Eugenio Sales em defesa de pessoas perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul certamente salvaram milhares de vidas de latino-americanos.

¿ Foi uma postura louvável de Dom Eugenio. Que bom que ele tenha tido essa atitude humana. É o que deve ser feito por todo pastor.

Cecília, no entanto, lembra que esse socorro aos perseguidos políticos foi feito já na fase final da ditadura brasileira:

¿ Não tira o mérito do trabalho, mas foi uma época em que ele já tinha condições de ligar para o Sylvio Frota e dizer que iria ajudar os ¿comunistas¿. Já se falava em abertura ¿ disse Cecília, afirmando que, no entanto, foram poucos os brasileiros que Dom Eugenio ajudou.

Ontem, políticos de esquerda mostraram-se surpresos com a notícia de que o cardeal conservador salvou milhares de refugiados políticos. Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que integra a bancada católica no Congresso, essa é uma revelação impressionante e mostra a dimensão do papel histórico de Dom Eugênio Sales.

¿ Ele sempre foi muito rigoroso com os segmentos progressistas da Ação Católica. Não contestava publicamente a ditadura. Mas sua intervenção humanitária era uma unção esperada, nas horas extremas, dado o seu bom diálogo com muitos generais do regime. Nunca ficávamos sabendo ao certo se ele interferira ou não.

¿O tempo permite ter uma visão mais generosa¿

Para Chico Alencar, com o passar dos anos foi possível ter uma visão mais ampla do processo histórico.

¿ Essa extensa rede de apoio sistemático a refugiados das ditaduras do Cone Sul é realmente surpreendente. O tempo nos permite sempre ter uma visão mais ampla e generosa do processo histórico. Vejo que, para muitos, nosso cardeal encarnou o Cristo dos Evangelhos. Conforta saber disso ¿ salientou Chico Alencar, que integrou os movimentos da Igreja Católica durante a ditadura militar.

Já na Argentina, muitos religiosos ficaram marcados negativamente. Nos anos de chumbo, as figuras de proa da Igreja argentina eram o cardeal de Buenos Aires, Antonio Caggiano; o cardeal de Córdoba, Raúl Primatesta; o arcebispo de Paraná, monsenhor Adolfo Tortolo; e o arcebispo de La Plata, Antonio Plaza. Segundo investigação realizada por Bruno Passarelli e Fernando Elemberg, autores de um livro sobre a atuação do cardeal Pío Laghi, representante do Vaticano em Buenos Aires entre 1974 e 1980, monsenhor Tortolo organizava grupos de padres encarregados de confessar e absolver militares que participavam de seqüestros e assassinatos.

A atuação do cardeal Laghi despertou polêmica entre parentes de desaparecidos. Segundo representantes das Mães da Praça de Maio, ele participou da repressão. Já o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, assegura que ele tentou pressionar os militares contra violações dos direitos humanos.