Título: CNBB: Dom Eugenio deu unidade à Igreja brasileira
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 03/03/2008, O País, p. 5

Para bispos, a atuação do cardeal foi fundamental para manter a identidade mesmo diante das divergências.

BRASÍLIA. A revelação de que o cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugenio Sales, abrigou mais de quatro mil pessoas perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul entre 1976 e 1982, deu nova dimensão histórica à hierarquia do episcopado brasileiro. Para integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a atuação do cardeal de linha conservadora, durante o regime militar, explicitou o seu papel estratégico para a unidade da Igreja no Brasil.

Bispos ouvidos ontem pelo GLOBO ressaltaram que a ação silenciosa de Dom Eugenio foi fundamental para manter a identidade da Igreja brasileira mesmo diante das divergências de opção pastoral daqueles tempos - entre progressistas e conservadores.

Na CNBB, a postura do cardeal é vista como um dos fatores que permitiram que a atuação da Igreja Católica do Brasil fosse diferente da Argentina durante as ditaduras militares no continente, entre os anos 70 e 80. Enquanto o episcopado brasileiro se unia na oposição à ditadura, a hierarquia católica argentina apoiava o regime militar.

"Dom Eugenio sempre foi muito presente"

Para o secretário-geral da CNBB e bispo-auxiliar do Rio, Dom Dimas Lara Barbosa, a linha de atuação de Dom Eugenio integrava a Igreja em torno da defesa da pessoa e dos direitos humanos: - O contexto histórico mostra que a atuação de Dom Eugenio foi fundamental até mesmo para a unidade da Igreja no Brasil. Isso porque, apesar de divergências sobre a opção pastoral, a nossa Igreja soube adotar a mesma linha na defesa dos direitos humanos. Fica claro que Dom Eugenio sempre foi muito presente na defesa dos direitos humanos. Deu unidade à Igreja brasileira no que era essencial - ressaltou.

Dom Dimas Barbosa ressaltou ainda que os fatos históricos mostram a grande "espiritualidade" de Dom Eugenio:

- É um dos maiores líderes que nós tivemos.

Para o arcebispo de Juiz de Fora, Dom Eurico Veloso, a atuação do cardeal do Rio durante os anos 70 e 80 revela que houve um trabalho silencioso em favor dos refugiados políticos. O arcebispo ressalta que a influência de Dom Eugenio no Vaticano permitiu a continuidade do diálogo com o governo durante o regime de exceção.

- Dom Eugenio sempre funcionou como um intermediário da Igreja. Era o nosso representante diante de qualquer necessidade. Isso mostra que ele é uma autoridade que sempre esteve a serviço e nunca em busca do poder. Apesar de taciturno e calado, ele sempre soube usar a sua palavra viva no momento certo e oportuno - observou Dom Eurico Veloso.

A avaliação reservada feita na CNBB é que não houve uma divisão acentuada da Igreja do Brasil graças à ação conciliadora de alguns setores conservadores do episcopado. Diferentemente de outros países latino-americanos, o diálogo entre os dois grupos - progressistas e conservadores - foi mantido entre os religiosos brasileiros.

Habilidade permitiu diálogo permanente

A habilidade de Dom Eugenio Sales também é considerada fundamental para barrar algumas ações do regime militar contra integrantes do clero progressista. Gestos como esse foram reconhecidos por todos os setores do episcopado, o que acabou propiciando uma transição mais suave e um diálogo permanente.

Para o bispo de Jales (SP), Dom Demétrio Valentini, presidente da Cáritas no Brasil, o cardeal-arcebispo emérito do Rio soube usar sua relação com o regime militar para ações humanitárias.

- Dom Eugenio tinha uma relação boa com as autoridades militares. Essa confiança que o governo tinha nele respaldou Dom Eugenio em suas ações. O bom trânsito no regime ditatorial permitiu eficiência dele ao ajudar refugiados políticos. Penso que agora, com a distância dos acontecimentos históricos, Dom Eugenio aparece num contexto em que ressalta a sua importância - reconheceu Dom Demétrio, representante da ala progressista da Igreja.