Título: Caixa-preta
Autor: Rescala, Tim
Fonte: O Globo, 03/03/2008, Opinião, p. 7

Motivado pela publicação do artigo "O Fla-Flu do direito autoral", quero dar aqui a visão de um músico sobre recente seminário promovido pelo Ministério da Cultura.

O texto cita um outro publicado em dezembro, em que o advogado João Carlos Müller Chaves acusa o MinC de doutrinação. Como compositor presente ao evento me permito discordar categoricamente do senhor Müller Chaves e apoiar os doutores Lewicki e Queiroz, autores do segundo artigo.

A iniciativa do MinC de promover esse debate não é só oportuna, mas também urgente e imperativa. Não se trata apenas de discutir questões como o controvertido Creative Commons, mas de rever como o direito autoral é gerenciado no Brasil. O assunto é urgente, pois perpetuou-se um sistema nebuloso e viciado, que beneficia poucos e penaliza muitos.

O que talvez tenha incomodado o Dr. Müller Chaves é que em todo o seminário bateu-se duro num órgão que, a despeito das constantes queixas da classe musical, segue fazendo o que quer e bem entende, o Ecad - Escritório Central de Arrecadação de Direitos. Mas isso não foi orquestrado, pois o descrédito do Ecad é senso comum, tanto entre músicos quanto entre juristas.

Essa empresa, que muitos pensam ser pública, tornou-se a nossa algoz. Para mim é o Escritório Central de Apropriação de Direitos, cuja receita anual gira em torno de R$260 milhões. E o que é o Ecad de fato? Foi criado em anos turbulentos para defender os direitos autorais de nossa classe, mas se perdeu pelo caminho, tendo seu controle passado para outras mãos. Não para as mãos que tocam instrumentos, mas para as mãos que manipulam índices arbitrariamente.

E qual é a imagem do Ecad perante os músicos? É a de um órgão transparente? Os compositores estão satisfeitos com o que recebem? Não seria lógico que, diante de arrecadação tão vultosa, a maior parte dos compositores vivesse em melhor situação? Qual o compositor que já teve acesso a uma ata de assembléia do Ecad? Elas não deveriam ser públicas? Há alguma coisa a esconder?

O Ecad goza de um altíssimo índice de rejeição. É implacável ao cobrar, mas titubeante ao pagar. E o curioso é que, mesmo sendo uma empresa particular, é amparada por lei, não tendo, porém, um órgão que regule sua atuação, como havia o CNDA (Conselho Nacional de Direito Autoral, extinto no governo Collor).

O Ecad, não tendo quem o fiscalize, muda as regras do jogo a cada assembléia, dependendo dos interesses imediatos apenas de uma das sociedades - a UBC -, que detém o monopólio das decisões. Isso corresponde a um estado de direito? É democrático? É benefício social? É administração transparente?

Conforme o art. 99 § 1º da lei 9.610/98 do Código de Direito Autoral, "o escritório central organizado na forma prevista por este artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem". Será que o Ecad não obtém lucro? E se uma das sociedades tem peso maior nas assembléias, a empresa não é de fato administrada por todas as sociedades, como manda a lei.

Para defender seus direitos, os autores, e nesse grupo me incluo, têm recorrido à Justiça, pois o Ecad não nos dá outra opção. E é por isso que a iniciativa do MinC deve ser louvada e apoiada. É preciso abrir a caixa-preta do Ecad e, pela via institucional, enxergar o que se passa lá dentro. Não há uma forma de sanar esta área sem que haja a tutela do Estado.

A classe musical deve se interessar por essa questão e participar do debate proposto em boa hora pelo MinC na companhia de advogados e juristas. Na ponta da cadeia que gera o direito autoral estamos nós, compositores, cujas vozes precisam ser ouvidas.

TIM RESCALA é músico.