Título: Diplomacia de telefonemas para evitar conflito
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 03/03/2008, O Mundo, p. 25

CRISE NA AMÉRICA DO SUL: Chefes de Estado passam o dia em contato para acalmar as tensões crescentes.

Lula e Cristina Kirchner se envolveram diretamente nos esforços para não deixar incidente virar confronto militar.

BRASÍLIA. A crise desencadeada pela ação militar colombiana contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e a reação da Venezuela e do Equador mobilizou os presidentes de todos os países da América do Sul, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, da Argentina. A atuação dos mandatários, que passaram o domingo trocando telefonemas de avaliação, deu o tom da gravidade da situação e da articulação diplomática necessária para evitar a eclosão de um conflito no continente.

Chefes de Estado tentam se inteirar sobre a situação

Eles também falaram com os chefes de Estado diretamente envolvidos no assunto: Álvaro Uribe (Colômbia), Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador).

- Vários presidentes estão trocando telefonemas para tomar pé da situação e fazer as gestões necessárias. Evidentemente, é desagradável. A situação não é nada boa - afirmou ao GLOBO Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República.

Fora de Brasília, Marco Aurélio Garcia - que mantém laços estreitos com as nações sul-americanas desde o tempo em que comandava a área internacional do PT - também passou o dia ontem estabelecendo contatos em toda a região para traçar um quadro mais claro da situação para o governo brasileiro. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, estava fora do país quando a crise foi detonada e era aguardado ainda ontem na capital para assumir a reação diplomática. Ele cancelou compromissos que teria hoje em São Paulo para retornar a Brasília e acompanhar de perto a crise nas relações entre Colômbia, Equador e Venezuela.

Segundo o Itamaraty, Amorim já conversou com os ministros das Relações Exteriores colombiano e equatoriano e com outros chanceleres da região. Ele continuará os contatos com as demais chancelarias sul-americanas e está recebendo os relatos das embaixadas brasileiras.

Quando eclodiu a tensão após a ação militar da Colômbia em solo equatoriano, Amorim estava em trânsito, retornando ao Brasil após giro pelo Vietnã e Cingapura, em preparação à viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará à Ásia neste semestre.

Segundo Garcia, os esforços ontem eram para obter informações precisas sobre como ocorreu a incursão das Forças Armadas colombianas em solo equatoriano, resultando na morte do segundo homem da hierarquia da guerrilha. Ele afirmou que ainda não estava sendo cogitada a viagem de emissários do Brasil aos três vizinhos. Mas deixou transparecer tensão ao falar do episódio.

O assessor da Presidência estava entre os observadores internacionais designados para acompanhar a libertação, negociada por Chávez, de reféns das Farc em dezembro do ano passado. A ação, após dias à espera de instruções da guerrilha, acabou não ocorrendo.

Confronto não é descartado, mas aposta é saída negociada

Perguntado se o Brasil já trabalhava com a iminência de um confronto, Garcia foi cuidadoso:

- Não temos muita informação ainda. Estamos basicamente conversando muito para tentar resolver esta questão da melhor forma possível, o mais brevemente possível.

Uma fonte do Palácio do Planalto afirmou que a delicadeza do assunto requer discrição e muita diplomacia de bastidores dos principais interlocutores (incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva) na região.

- Ninguém vai dizer publicamente que o caldo está esquentando - disse a fonte, ainda apostando em saída negociada. - Geralmente, na América Latina as coisas têm sido conversadas.