Título: Questão de prioridade
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 06/03/2008, O País, p. 3
Entidades de direitos humanos criticam PT e reagem à escolha de líder da "bancada da bala".
Organizações de direitos humanos reagiram com indignação à posse dos deputados pedetistas Pompeo de Mattos (RS) e Sebastião Bala (AP) na presidência e vice-presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Pompeo integra a "bancada da bala", aliado dos fabricantes de armas. Bala foi indiciado na Operação Pororoca, que investigou desvios de verbas públicas da saúde. As entidades reclamam da atuação do PT, que abriu mão dos cargos e preferiu outras comissões, como a de Tributação. Para especialistas, a Comissão de Direitos Humanos poderá ficar esvaziada, neste ano em que se celebram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- Um parlamentar que defende a indústria armamentista e outro acusado de corrupção, crime considerado hoje um dos piores contra os direitos humanos, só podem comprometer a idoneidade e a isenção da comissão. O PT, que historicamente priorizou essa comissão, não poderia fazer dela moeda de troca, de barganha política - disse Ariel de Castro Alves, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, depois de frisar que o próprio Estatuto do Desarmamento foi lançado pela comissão, quando presidida pelo ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), e modificado depois por Mattos, relator da medida provisória do desarmamento.
O secretário nacional de Movimentos Populares do PT, Renato Simões, disse que a direção do partido não discutiu o tema e sequer recebeu informes da bancada sobre o caso. Simões disse que houve um "retrocesso grave" na comissão e que os movimentos têm razão ao reclamar. Para o dirigente petista, os movimentos deveriam pressionar a bancada a rever sua posição e ainda articular a composição de um bloco dentro da comissão.
- Dependendo da reação dos movimentos, alguma mudança ainda pode ser feita. Pode ser montado um bloco parlamentar dentro da comissão, por exemplo - disse o petista.
"Má notícia em um bom ano", diz dirigente petista
Para a diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, o caso é sintomático e revela a pouca importância dos direitos humanos para o governo Lula:
- O fato é sintomático do pouco espaço que esse governo tem dado aos direitos humanos. Em muitas áreas, como questão indígena, quilombola, agrária e segurança pública, vivemos um grande retrocesso. Agora, com um Pompeo de Mattos na presidência da CDH, registramos outro retrocesso. Perdemos espaço. A CDH, tão reconhecida por sua trajetória na defesa dos direitos humanos, provavelmente terá como pauta outra agenda, não a comprometida com a defesa e promoção de direitos - disse Sandra.
Simões ponderou que o governo tem feito um bom trabalho na área, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que teria mantido um amplo diálogo com os movimentos:
- Os direitos humanos vivem um bom momento em 2008. Na verdade, esta (eleição de Pompeo e Bala) foi uma má notícia em um bom ano - ponderou.
Maria Luísa Mendonça, dirigente da Rede Social de Justiça e uma das fundadoras do Fórum Social Mundial, avalia que a comissão perderá sua credibilidade.
- A Comissão de Direitos Humanos tem como tradição indicar para presidente parlamentares comprometidos com a defesa dos direitos humanos. A indicação de um deputado que defende a indústria de armas contraria esta tradição e pode significar um retrocesso. Outra prática da comissão tem sido a articulação e o trabalho conjunto com organizações sociais de defesa dos direitos humanos, o que provavelmente não ocorrerá com Pompeo na presidência. Aliás, a comissão corre o risco de perder credibilidade - afirmou Maria Luísa.
A Anistia Internacional também foi surpreendida pela atitude dos parlamentares petistas, mas declarou que, como uma instituição internacional, não questiona os critérios democráticos do Parlamento brasileiro. O pesquisador da Anistia para o Brasil, o britânico Tim Cahill, disse que a organização mantém uma série de expectativas sobre o trabalho da comissão em questões pontuais para 2008, como a proteção dos direitos dos sem-terra no processo de crescimento da agroindústria, de acompanhamento do novo Pronaf e também nas atividades dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- Nós esperamos que essa falta de um histórico de luta em defesa dos direitos humanos dos novos presidente e vice não prejudique a história que esta comissão tem construído de defesa dos injustiçados. Nós vamos continuar seguindo esse trabalho com fortes contatos - disse Cahill.