Título: FH diz que sabia da solidariedade discreta de Dom Eugenio a presos
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 04/03/2008, O País, p. 4

Ex-presidente, contudo, desconhecia ajuda do cardeal a refugiados estrangeiros

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que sabia da "solidariedade discreta" do cardeal-arcebispo emérito do Rio Dom Eugenio Sales com os presos políticos, mas ficou surpreso com a informação de que ele ajudava uma rede de quatro mil foragidos das ditaduras do Cone Sul, revelada domingo por José Casado, no GLOBO. Fernando Henrique contou que, durante a ditadura militar, foi mais ligado a Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, franco opositor do regime.

Segundo o ex-presidente, assim como Dom Eugenio, Dom Paulo mantinha relações com o general Sylvio Frota, um "católico fervoroso e cheio de contradições".

- Tinha muita ligação com Dom Paulo. Muita, muita mesmo. Com Dom Eugenio tinha menos, mas sabia da atuação discreta dele. Tanto tinha admiração por ele que, às vésperas da eleição de 1994, fui visitá-lo. Na época, as pessoas não entendiam muito, porque ele era um conservador. Mas sempre o achei um homem digno - contou ele.

"Não há no país um pensamento de direita"

Fernando Henrique lembrou que Dom Eugenio foi um combatente da Teologia da Libertação, "mas era solidário e atuava discretamente":

- Essa história dos estrangeiros eu não sabia. Nem que eram tantos, que era uma rede tão importante. É impressionante, realmente. Eu sabia da ligação dele com o Frota. O próprio Dom Paulo também tinha, mesmo ele que era mais aberto, sempre manteve a capacidade de falar com eles. Dom Paulo achava que essa era uma maneira melhor de ajudar a preservar. Ele falava com o Frota e com os outros. O Frota era muito católico e muito contraditório.

Como sociólogo, Fernando Henrique considera que no Brasil, embora conservadora, a Igreja sempre manteve caráter mais humanitário.

- A Igreja sempre guardou um caráter humanitário. Na verdade, no Brasil, não há uma direita. Houve naquele momento com os militares, mas não há no país um pensamento de direita. No máximo uma meia dúzia (de teóricos) que nunca chegou a empolgar. Pode ser um setor tradicionalista, mas não de direita - avaliou o ex-presidente.

Sarney também se surpreende com atuação

Fernando Henrique afirmou que é preciso destacar o papel de Dom Eugenio, porque durante a ditadura a maioria preferia fingir desconhecer a tortura:

- Eram poucos os decentes. Todo mundo só falava em economia, só pensava no bolso. E outra coisa: os altos-comandos sabiam, sim (da tortura). Todo mundo sabia. E os cardeais conversavam com eles. Mas chegou um momento em que eles mesmos perderam o controle, não tinham mais "moral" entre os torturadores para mandá-los parar.

O senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) se disse surpreso ao tomar conhecimento da atuação do cardeal Dom Eugenio Sales na assistência e abrigo a perseguidos das ditaduras militares no Brasil e em outros países da América Latina.

- A atuação de Dom Eugenio foi muito importante para o país durante aquele período. Ele exerceu uma ação de resultados e não de militância. Eu me surpreendi. Sabia que Dom Eugenio tinha, ao seu jeito, ajudado muito em relação aos direitos humanos, mas não sabia que foi com aquela profundidade - afirmou Sarney.