Título: Medo da clonagem humana
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 04/03/2008, Ciência, p. 28
O advogado Ives Gandra Martins atua no Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de quatro décadas e defende o grupo contrário às pesquisas com células retiradas de embriões, que inclui religiosos e a minoria dos cientistas brasileiros. Gandra acredita que se os experimentos forem liberados será rompida uma fronteira da ética que poderá ensejar a autorização da clonagem humana. Ele é numerário da Opus Dei, segmento conservador da Igreja.
BRASÍLIA
Por que o senhor não está cobrando honorários para defender a proibição das pesquisas com células-tronco?
GANDRA: Há certas teses para as quais trabalho por convicção. Entendo que esta é uma tese que precisa ser defendida.
O senhor acredita na causa por ser católico?
GANDRA: Sou católico, mas em nenhum momento uso argumentos religiosos na defesa. Apresento teses científicas e jurídicas. As pesquisas com células-tronco adultas demonstram muito mais eficiência, e isso elimina o problema ético de transformar seres humanos em cobaia. A Constituição diz que a vida humana é inviolável.
A Lei de Biossegurança prevê que as pesquisas só sejam realizadas com embriões incapazes de serem gestados no corpo humano. Ainda assim, o senhor considera esses embriões seres humanos?
GANDRA: Conversei com cientistas e eles dizem que é muito difícil classificar um embrião como descartável. Me preocupa o fato de não haver embriões congelados suficientes para qualquer experiência nesse sentido no Brasil. Isso pode gerar um comércio de óvulos, como já existe em outros países.
A lei também prevê que, para o embrião ser usado em pesquisas, é necessária a autorização dos genitores. O senhor não concorda que uma pessoa tenha direito a definir o que fazer com o próprio material genético?
GANDRA: O embrião, quando é formado, não é mais parte do corpo dos genitores, é um outro ser humano. Os pais não são donos dos filhos.
O senhor acredita que um embrião já é um ser humano?
GANDRA: O embrião já traz características da pessoa na qual se transformará.
Para o senhor, qual o maior prejuízo que o país terá se o STF autorizar as pesquisas?
GANDRA: Estão transformando o ser humano em cobaia de laboratório. Esse tipo de pesquisa vai relativizar questões como o aborto e a eutanásia. Se nós relativizarmos a vida, poderemos chegar logo à clonagem humana.
O Congresso Nacional aprovou a Lei de Biossegurança depois de muitas discussões com setores da sociedade. O senhor acha legítimo que o STF derrube a lei agora?
GANDRA: Vamos discutir é se a lei é inconstitucional ou não.(Carolina Brígido)