Título: Questão de vida e morte
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 04/03/2008, Ciência, p. 28
Cientistas dizem que discussão é filosófica e defendem estabelecimento de norma
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgam amanhã a legalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no país devem buscar um marco técnico para a questão e não tentar determinar do ponto de vista biológico quando a vida começa, sugerem cientistas. Eles argumentam que é extremamente difícil definir o início da vida e que, no caso específico, é improdutivo.
Os especialistas lembram que até os anos 60 a morte era definida no momento da parada cardíaca. Hoje, ela é determinada pela morte cerebral. Essa definição foi alterada apenas pela necessidade de se manter órgãos viáveis para transplante. Da mesma forma, argumentam, é preciso criar um marco técnico para o uso de embriões em pesquisa e não ficar debatendo o início da vida.
- Essa discussão é contraproducente, não leva a lugar nenhum - afirma o neurocientista Stevens Rehen, presidente da Sociedade Brasileira de Neurociência e pesquisador da UFRJ. - A definição depende muito da formação religiosa e cultural de cada um. E mesmo dentro da ciência há divergências em vários pontos cruciais e importantes.
Para o geneticista Sérgio Danilo Pena, trata-se de uma questão insolúvel.
- Do ponto de vista filosófico é absolutamente impossível definir isso - diz. - Acho patético que se precise de uma definição do Supremo para isso. É triste essa ausência de separação entre Estado e Igreja. A comunidade científica deveria se auto-regular nesses assuntos.
O presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, concorda com os colegas e vai além:
- Não deveriam ficar tentando identificar quando começa a vida, adivinhando se é no décimo ou no décimo quarto dia após a fecundação. Talvez seja melhor ter a coragem de determinar até que ponto uma vida em potencial poderia ainda ser sacrificada pelo benefício de outras. Já que ninguém consegue definir mesmo, acho essa saída menos hipócrita, menos casuística.
Além disso, afirmam, a discussão cai no vazio porque os únicos embriões cujo uso é permitido em pesquisa pela Lei de Biossegurança são aqueles descartados por clínicas de fertilização.
- Esse uso já foi legitimado pela sociedade por meio da fertilização in vitro que requer a existência dos embriões excedentes, que vão para o lixo de qualquer forma - afirma Stevens Rehen.
Raskin lembra que nunca se discutiu a questão no caso da reprodução assistida e ninguém sabe sequer quantos embriões descartados existem nas clínicas.