Título: Acordo baixa tom da crise
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Fonte: O Globo, 06/03/2008, O Mundo, p. 31

OEA aprova resolução sem condenar Colômbia. Uribe e Chávez adotam postura moderada

Depois de quatro dias de agravamento na tensão entre Colômbia, Equador e Venezuela, os governos dos países deram ontem as primeiras demonstrações de empenho em baixar o tom da crise internacional. Na ação mais importante do dia, Colômbia e Equador fizeram um acordo e concordaram com uma declaração conjunta, aprovada por aclamação pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

O governo da Colômbia não recebeu uma condenação da OEA por ter invadido o território equatoriano para atacar um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), como pedira Quito. Mas, na resolução, aceitou que \"o fato ocorrido constitui uma violação da soberania e da integridade territorial do Equador e dos princípios do direito internacional\". O acordo, aprovado por aclamação, foi recebido com palmas pelos diplomatas reunidos na sede da OEA, em Washington. Significativamente, representantes da Venezuela não participaram da negociação de 14 horas entre Bogotá e Quito, limitando-se a votar como qualquer um dos 34 países-membros da organização.

Os enviados de Colômbia e Equador disseram ter ficado satisfeitos com a resolução. Para a Colômbia, houve duas vitórias diplomáticas: o país não foi condenado pela OEA e a \"comissão verificadora\" pedida pelo Equador se tornou apenas uma comissão que não se limitará a visitar o local do ataque, mas também a zona fronteiriça dos países. Assim, o país pretende demonstrar que a área está repleta de bases das Farc, o que, segundo Bogotá, daria uma idéia do problema para a comunidade internacional. O grupo, que será composto pelo secretário-geral da OEA, Miguel Insulza, e representantes de quatro países - entre eles, o Brasil -, terá de redigir um relatório a ser apresentado à entidade em 17 de março, quando haverá uma reunião extraordinária de chanceleres.

- Estamos satisfeitos - disse o representante colombiano, Camilo Ospina, que aproveitou para fazer uma acusação velada à Venezuela. - É o terrorismo que nos traz aqui hoje. Há Estados que financiam o terrorismo.

Já o Equador comemorou o reconhecimento oficial de que a Colômbia violou seu território, sem justificar a ação, como em desculpas anteriores.

Porém, o país afirmou que o acordo não significa um reatamento das relações entre os dois países, cortadas no início da semana devido à crise. Segundo a representante do país, María Isabel Salvador, a reaproximação dos países \"é um processo\" e a resolução de ontem, um \"primeiro passo\".

- Confiamos e desejamos que as relações diplomáticas poderão ser retomadas o quanto antes. Mas não se restabelecem a partir de hoje - disse ela. - Hoje nos sentimos seguros de viver num ambiente continental onde as normas do direito regem a convivência pacífica dos povos.

Hugo Chávez diz que quer a paz

O único país e demonstrar desagrado com a resolução foi a Nicarágua. O embaixador, Denis Moncada, disse que o presidente Daniel Ortega considera que \"a Nicarágua se sente ameaçada pela Colômbia\". Ele foi praticamente ignorado na OEA.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o acordo na OEA.

- É um passo extremamente importante a decisão da OEA de criar a comissão de investigação. Acho importante, porque vamos aprendendo também que, por mais soberano que seja um país, ele é soberano no seu território e não no território dos outros. Se a gente permite que isso continue acontecendo sem que haja uma ação em conjunto de todos os países, amanhã qualquer fronteira pode ser violada. Foi madura e bastante rápida a decisão da OEA - disse Lula.

Também houve sinais de uma diminuição da crise em outras frentes. Ontem, o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, disse que estudará se Bogotá denunciará o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao Tribunal Penal Internacional por crime de lesa Humanidade por supostamente ter fornecido dinheiro e armamento para as Farc. Uribe recebeu ontem uma proposta de acusação de um grupo de juristas e não descartou fazer a denúncia. Mas não deu certeza de que apresentará a denúncia à corte - na terça-feira, ele dava como certa a acusação.

Por seu lado, houve sinais de distensão também na Venezuela. Chávez, que não fazia declarações desde o domingo, disse que seu país tem uma \"vocação pacifista\".

- Somos um povo e uma nação pacifista. Queremos a paz, e nada nem ninguém nos tirará do caminho da paz verdadeira. Basta de tanta violência, de tanta baixaria - disse ele, que, no entanto, afirmou que um confronto futuro com os EUA é inevitável.

O secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, também buscou não alimentar a crise. Perguntado se os EUA ajudariam a Colômbia numa possível guerra contra a Venezuela, ele disse:

- A Colômbia sabe se defender sozinha.

As declarações foram feitas num dia em que tropas venezuelanas começaram a ser deslocadas para bases próximas à Colômbia. Cerca de 85% do pessoal dos dez batalhões que estão sendo enviados chegaram a suas posições. O deslocamento, no entanto, foi discreto, e nenhuma movimentação foi percebida por quem estava do lado colombiano da fronteira.

Por outro lado, o ministro da Defesa venezuelano, Gustavo Rangel, negou que a fronteira entre os países tenha sido fechada, como fora anunciado na terça-feira pelo ministro da Agricultura.

- Não recebemos qualquer instrução para fechar a fronteira - disse ele.

Antes do anúncio de Rangel, a incerteza fizera com que parte do comércio entre Colômbia e Venezuela fosse interrompido. Porém, ainda assim, dos US$11 milhões em produtos que cruzam os países todos os dias, US$4 milhões foram comercializados.