Título: É uma das maiores derrotas do Brasil em sua política de união sul-americana
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 06/03/2008, O Mundo, p. 35

BUENOS AIRES. O confronto entre Colômbia, Equador e Venezuela representa um dos maiores reveses históricos do Brasil na tentativa de construir uma comunidade sul-americana. Essa é a principal conclusão do analista argentino Juan Gabriel Tokatlián, professor da Universidade de San Andrés, que morou muitos anos na Colômbia e conhece como poucos a política regional.

Quais são as conseqüências imediatas desta crise regional?

JUAN GABRIEL TOKATLIÁN: O assassinato de (Raúl) Reyes teve, na região, o mesmo efeito que a Revolução Cubana. Ou seja, a Revolução Cubana latino-americanizou a Guerra Fria, que até então existia em lugares muito distantes. A morte de Reyes, a forma como ele foi assassinado, tem a capacidade, se não houver um freio político, de latino-americanizar a guerra contra o terrorismo. Isso significa que a guerra preventiva, a violação do direito internacional, a ocupação de países, coisas que vemos em outros continentes, poderiam passar a ser válidos na América Latina.

O senhor vê os EUA por trás do ataque ao acampamento das Farc?

TOKATLIÁN: Não duvido de que o alento à audácia da Colômbia foi dado pelos EUA. Agora, também pesou muito a dinâmica interna colombiana. A libertação de reféns estava favorecendo muito a imagem das Farc no exterior. Liquidar Reyes foi um golpe duríssimo para o grupo. Mas o importante não é saber se pesou mais a lógica de Washington ou a política interna colombiana, porque o efeito é o mesmo. A Colômbia disse ao mundo que o problema da região é o terrorismo e que a única maneira de combatê-lo é atuando com dureza.

O pano de fundo deste conflito é a disputa entre Chávez e os EUA?

TOKATLIÁN: Acho que este conflito é uma das maiores derrotas históricas do Brasil em sua política de união sul-americana. Este conflito mostrou até onde chega a liderança do Brasil, que não antecipou a disputa e não parece ser capaz de freá-la. O Brasil não consegue corrigir o rumo de seus vizinhos, que fazem o que querem. Um deles usando o direito internacional da forma que quer, e o outro provocando como quer. São dois rebeldes que estão fazendo coisas que podem incendiar a vizinhança, e o maior poder regional não tem capacidade nem de antecipar nem de dissuadir.

Então quem ganha são os EUA...

TOKATLIÁN: Claro, quem ganha é o governo americano.