Título: Virada estende disputa e Hillary cogita chapa
Autor: Horta, Ana Magdalena; Martins, Marília
Fonte: O Globo, 06/03/2008, O Mundo, p. 36

Embalada por vitórias, que podem levar a campanha até agosto, senadora defende dobradinha, com Obama como vice

CLEVELAND, Ohio e AUSTIN, Texas. A virada de Hillary Clinton com três vitórias nas primárias de anteontem mostrou que a corrida democrata está longe de terminar. Com o ânimo de sua campanha renovado, a senadora amanheceu numa entrevista de TV ontem, já falando numa dobradinha com o senador Barack Obama numa chapa democrata para disputar as eleições presidenciais de novembro.

¿ Talvez o processo aponte para isso, mas será preciso decidir quem vai encabeçar a chapa. Creio que o povo de Ohio disse claramente que deveria ser eu. Mas vamos montar uma chapa vencedora. O mais importante é vencer em novembro ¿ disse ela, que venceu em Ohio (54% a 44%), Rhode Island (58% a 40%) e Texas (51% a 48%).

A resposta de Obama foi rápida. Em El Paso, ele não esperou o anúncio do resultado no Texas para cumprimentá-la pela vitória em Ohio e Rhode Island. E fez questão de dizer que continua à frente no número de delegados:

¿ Não importa o que aconteça hoje, estamos na frente no número de delegados e vamos ganhar a indicação do partido.

Ao responder a perguntas sobre a perspectiva de uma chapa única, Obama se esquivou:

¿ Disse antes, respeito a senadora Clinton como servidora pública, uma adversária firme. Acho que é muito prematuro começar a falar sobre uma chapa única ¿ disse ele.

No Texas, Hillary venceu em condados rurais e perdeu nos grandes centros ¿ como Houston, Dallas e Forth Worth. Entre os democratas texanos, 61% decidiram votar em Hillary apenas há três dias. Para alguns analistas, isso poderia significar que a cartada do medo funcionou: nos últimos dias a campanha da senadora veiculou anúncio na TV perguntando quem o eleitor gostaria que atendesse o telefone vermelho na Casa Branca, quando ele tocasse às 3h, em meio a uma crise internacional.

Ataques renovados também teriam ajudado

Já no discurso da vitória em Ohio, Hillary reconheceu a importância do tema segurança nacional na campanha, e lançou uma indireta para Obama: ¿Quando o telefone toca às 3h da madrugada na Casa Branca, não há tempo para discursos ou para treinamentos¿, disse ela.

¿ O anúncio inverteu a abordagem sobre a guerra. Em vez de enfatizar a retirada das tropas, Hillary apelou para o medo de uma nova ameaça. Num estado conservador como o Texas, isso foi decisivo, sobretudo para os que escolheram na última hora ¿ diz Veronica Vargas, do Center for Politics and Governance da Universidade do Texas.

Houve quem contabilizasse a vitória de Hillary, sobretudo no Texas, como efeito não só do anúncio mas também da estratégia de ataques a Obama na última semana. Por isso, o estrategista Daniel Axelrod avisou que o senador está pronto para entrar na briga com mais dureza:

¿ Não vamos fugir da briga. Se Hillary quiser falar das relações de Obama com o empresário Tony Rezko ou da ética nas filipetas que distribuímos, vamos perguntar sobre suas declarações de imposto de renda que ainda não vieram a público e sobre a lista dos doadores de sua campanha. Vamos questionar as doações feitas para a biblioteca de seu marido no Arkansas, vamos levantar os outros patrocinadores do seu estrategista político, Mark Penn. Ela vai ter muito o que explicar aos eleitores.

A senadora teve expressivo apoio dos latinos do Texas: 67% contra 31%. Entre os brancos, 55% votaram em Hillary e 44% em Obama, enquanto 83% dos negros preferiram Obama, contra 16% de Hillary.

E, depois da noite chamada de ¿épica¿ por analistas, o Partido Democrata vive situação nunca vista na história da nomeação de candidatos à Presidência. Dois fortes pré-candidatos ¿ ambos com o adjetivo ¿primeiro¿ no currículo ¿ se opõem. Um seria o primeiro negro na Presidência, outro, a primeira mulher. A briga segue com um caucus em Wyoming, no sábado, e primárias em Mississippi, na terça. Os dois estados têm poucos delegados (45), e a demografia deve favorecer Obama. O próximo grande desafio será em Pensilvânia, em 22 de abril ¿ com 158 delegados em jogo.

O problema é que, mesmo ganhando todas as primárias e caucus adiante, nenhum tem chance de conseguir os 2.025 delegados necessários para uma nomeação automática. É aí que os superdelegados entram em jogo. Eles poderão ter que decidir quem será o candidato.

A professora da Universidade de Maryland Shawn Parry-Giles, do Centro de Comunicação Política e Liderança Cívica, lembra que os superdelegados fazem parte do processo desde 1972, mas nunca tiveram este peso.

Ao contrário dos delegados apontados em primárias e caucus, superdelegados podem escolher em quem votar e mudar de idéia até a Convenção Nacional no Colorado, em agosto. Quem ainda não declarou seu voto está sendo pressionado. Rhine McLin é prefeita de Dayton, Ohio, e tem sido procurada por Michelle Obama, mulher do senador, por Hillary e Bill Clinton, que deixaram dois recados para ela, e por atores e políticos envolvidos nas campanhas.

¿ É a primeira vez que tenho essa importância ¿ diz McLin, 59 anos, superdelegada há 20.

Ela é mulher, o que a faz gostar de Hillary, mas também negra, filha de um conhecido político negro do estado.

¿ Ainda não me decidi.